quarta-feira, 30 de junho de 2010

A esquerda morreu! Viva a esquerda!

À tese da crise objectiva do capitalismo, declarada por ele próprio, no fim do ano de 2008, seguiu-se a prova de que nenhuma ideia de esquerda sobejou do colapso da ex-URSS. Repararam na satisfação com que tanto cretino (à esquerda e à direita) se lembrou de dizer o óbvio: que Karl Marx afinal sempre teria tido razão? O que não disseram foi que o Marx foi um revolucionário a surfar uma revolução. Mas o que fazer quando não há revolução na rua e se quer ser de esquerda?

Distraído como sou, imaginei que a queda do muro de Berlim significasse para o debate de ideias uma libertação. Na altura tudo estava condicionado: ou se era a favor do capitalismo ou a favor do socialismo, como se apenas existissem duas ideias correspondentes a duas realidades (o que era manifestamente estúpido, mas era assim que se pensava, seja o vulgo sejam os cientistas sociais). A liberdade, porém, não é o estado natural das sociedades abandonadas a si próprias. Caso não existam movimentos de libertação não há liberdade. E o que temos visto na era pós-colonial são movimentos de libertação – muito associados a processos de individuação, lá onde haja condições para tal – a que também chamamos (erradamente) movimentos sociais (por vezes sociedade civil, solidariedade, etc.) mas fora de qualquer perspectiva socialmente revolucionária.

Em Portugal, em particular, a perspectiva de emprego já não é uma perspectiva de trabalho. Como se costuma dizer, os portugueses recusam-se a fazer certos trabalhos e, portanto, recusam-se a sacrificar-se pela sociedade, com o risco de perderem um pouco o sentido das realidades, de tal maneira as realidades são encobertas com camadas de informação.

Alguém dizia que caso Portugal queira ou seja obrigado a sair do euro o valor das mercadorias no País seria imediatamente reduzido a um terço (ou mesmo um quarto) do valor actual. O que quer dizer que a nossa estadia no Euro fez crescer especulativamente o valor à nossa disposição por 3 ou 4 vezes, de que alguns espertalhaços aproveitar mais que os outros. Mas afinal a economia, numa grande medida, é política e poder em estado puro. O poder de a zona euro aceitar lidar com os portugueses (e com cada um dos outros países) lá para os fins económicos que entendem ser bons para quem lá mande naquilo. Ora, será a esquerda capaz de dizer aos portugueses como se devem comportar em tais circunstâncias? A mim parece-me que não. Porque os portugueses, apesar da falta de educação, não são parvos, como nenhum povo no mundo. E compreende muito bem ser verdade aquilo que a direita lhes diz: “nós somos do primeiro mundo!” As expectativas de vida que a generalidade dos portugueses imaginou em jovem foram em grande medida ultrapassadas pela realidade.

Nos países europeus mais habituados a viverem no centro do capitalismo, onde as expectativas de vida são decrescentes faz pelo menos vinte anos, a reacção dos povos à situação actual também não é revolucionária. A crise objectiva – isso é mais que evidente – não produziu numa crise subjectiva. Verificado isso mesmo, passados alguns meses após a declaração oficial da crise, a direita volta ao ataque e impõe a continuação e aprofundamento da política anteriormente seguida. Porque haveriam de mudar ou sequer puxar pela cabeça se não têm oposição.

Ser de esquerda, nos dias de hoje é um pouco vergonhoso. Por isso os jovens preferem ser de direita, da mesma maneira que muitos “gostam” do Benfica. Tal partido vem de mais longe, tem mais tradição e está a ganhar os campeonatos. Por isso, também, encontramos na actividade cívica e política barreira geracionais importantes, que implicam a necessidade de um trabalho em profundidade à esquerda, sobretudo na crítica teórica e também na prática de mobilização, para poder vir a ter possibilidades de mudar de rumo algum dia.

O estado a que a esquerda chegou está bem patente nas eleições presidenciais que aí vêm: o antigo candidato dos “movimentos sociais” tornou-se o defensor do desacreditado Sócrates, na esperança de o PS voltar a ser um partido com ambições à esquerda. A esquerda propriamente dita, essa, está fora de jogo. Perdoem-me os comunistas por não os meter nesta equação, mas a minha ambição para a esquerda é a de assumir a governação, caso venha um dia a saber o que fazer em tal posição.

António Pedro Dores

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terça-feira, 29 de junho de 2010

Os desafios actuais e as insuficiências à esquerda

1 – Introdução
2 - Síntese de aspectos estruturais que configuraram a Europa nas
últimas décadas
3 - Medidas anti-sociais levadas a cabo na Europa
4 - Elementos da crise económica, social e política portuguesa
5 - Inconsistências e insuficiências à esquerda - Construção da unidade


1 – Introdução

A situação actual que vivem os trabalhadores portugueses em geral e, mais especificamente, os desempregados, os reformados e os excluidos resulta, como é sabido, da interação entre a crise internacional e as debilidades próprias do capitalismo em Portugal.

Mas, também é uma sequela das fragilidades da visão predominante na esquerda portuguesa, do tipo de organização existente e da actuação popular e militante das organizações da esquerda portuguesa. Este tema é, em geral um tabu, preferindo-se ostentar uma auto-suficiência enganadora cujos resultados não se vêem, a não ser em desempenhos eleitorais ou institucionais ineficazes; e que demonstram os imensos limites das democracias de mercado.

Da nossa parte, não gostamos de tabus e preferimos mexer nas feridas para que a gangrena se não desenvolva.

2 - Síntese de aspectos estruturais que configuraram a Europa nas últimas décadas

Na Europa, particularmente, assistiu-se, desde o final da II Guerra, à observação de vários elementos de capital importância política:

- Na Europa Ocidental, a consolidação de um modelo de paz social, que permitiu fortalecer os capitalistas e gerar uma aceitação pelos trabalhadores, de um crescimento do bem-estar, ilusoriamente tomado como permanente, num quadro de pluralismo político e sindical;

- Na Europa de Leste, consolidou-se um modelo de capitalismo de Estado sem as mesmas bases tecnológicas e de mercado para gerar riqueza de modo satisfatório e, portanto, sem condições para “concorrer” com os níveis de bem-estar e consumo da parte ocidental do continente; para mais, num quadro de unicidade política, impropriamente denominado de socialismo, onde toda a iniciativa estava conferida ou filtrada por um partido único;

- A criação da CEE constituiu um ensaio inicial de integração de capitalismos nacionais, protagonizado pelas multinacionais, potenciador de sinergias várias, resultantes do esbatimento da importância das fronteiras;

- A descolonização reformulou a base territorial do poder económico europeu, subalternizando-o, claramente, sob a liderança dos EUA;

- As revoltas do Maio de 1968, em França e Itália, bem como a invasão da Checoslováquia tiveram enormes consequências ideológicas, colocando em causa o chamado modelo social europeu, a preponderância dos PC´s tradicionais e das burocracias sindicais, e fez florescer uma constelação de alternativas criativas à esquerda, maoistas, trotskistas, anarquistas, luxemburguistas, guevaristas …

- A queda das ditaduras em Portugal, Grécia e Espanha, nos anos 70 e, em 1989, o desmembramento do Comecon e do Pacto de Varsóvia constituiram a base para um enorme alargamento territorial da UE, com vantagens particulares para a Alemanha, reunificada e constituida em centro de gravidade da União;

- Esse alargamento surgiu também como forma de aumentar o mercado disponível aos capitais europeus, em busca de uma alternativa ao fim do impulso da reconstrução dos danos da guerra de 1939/45;

- As dificuldades da acumulação capitalista global reinventaram o liberalismo sob a forma de ditadura dos mercados, de repúdio da intervenção do Estado, de endeusamento da empresa e da iniciativa privada, de promoção do mais rasteiro individualismo, em antagonismo com quaisquer fórmulas de intervenção nas questões sociais decorrentes daqueles postulados. Foram seus criadores teóricos, Hayek e Milton Friedman e seus primeiros executores políticos, Pinochet e Thatcher;

- Às medidas conducentes à liberdade de circulação de bens, serviços e capitais, corresponde a pressão para a supressão gradual das políticas que enformavam o referido “modelo social europeu”, as privatizações e um enorme crescimento da acumulação de capital, em paralelo com o aprofundamento das desigualdades;

- Consequentemente, a produção mundial torna-se integrada, com a incorporação, num mesmo produto, do trabalho com várias origens geográficas e diversas qualificações. A Humanidade gera, assim, uma base colectiva para a produção de bens e serviços, através da segmentação do processo produtivo levada a cabo pelas multinacionais, financiada por um sistema financeiro global, com plataformas técnicas comuns de transmissão de informação;

- O desenvolvimento desmesurado dos sistemas de transporte tornados necessários pela segmentação da produção, pela complexização dos processos produtivos e pelo crescimento do comércio mundial, associado ao fomento do automóvel particular e do turismo de massas, provocou danos brutais no ambiente, com impactos climáticos dramáticos;

- Por outro lado, a financiarização das economias desenvolveu imenso formas especulativas e virtuais de criação de capital e geração de lucros que tornam pouco interessante o investimento na produção de bens e serviços essenciais em falta para a maioria dos 6300 M de seres humanos;

- Neste contexto, a necessidade de mão de obra é relativamente menor que em épocas passadas, dada a grande produtividade do trabalho que somente beneficia, essencialmente, os capitalistas, não se reflectindo na redução da jornada de trabalho; a maior longevidade humana associada a sistemas de segurança na doença e na velhice torna aliciantes, para os capitalistas a ideia de que há gente a mais no planeta e o retorno de velhas doutrinas genocidas. Israel está, aliás bem à frente, nesse campo querendo apropriar-se da Palestina sem palestinianos;

- O neoliberalismo, associado à falência do capitalismo de Estado nos antigos países chamados socialistas, traduziu-se num optimismo vanguardista por parte dos capitalistas, alardeado pelos seus “think tanks” e mandarins, ampliado pelos seus meios de comunicação. E daí a promoção da ausência de alternativas ao capitalismo neoliberal através da equiparação entre capitalismo de Estado e socialismo, para melhor se afastar os trabalhadores de qualquer alternativa de libertação das amarras do capitalismo. Daí resulta, a vigência do “pensamento único”. Em paralelo, oculta-se que o caso da China é um exemplo particularmente claro de simbiose entre capitalismo de Estado e neoliberalismo, “um país, dois sistemas” como reza a propaganda oficial. E que nada tem de progressista;

Finalmente, refira-se que à esquerda, na sua pluralidade, reina uma enorme inconsistência de análise da situação e das propostas de lhe fazer frente(1). Uns, continuam a defender o capitalismo de Estado, nada tendo aprendido com a experiência da URSS e similares; outros, consideram que nacionalizações só por si são sempre a favor da multidão, em qualquer contexto; há quem sonhe com um regresso ao “modelo social europeu”, como se a História se repetisse; muitos, ainda não conseguem descortinar que os PS europeus há muito nada têm de progressista, assumindo claramente a agenda neoliberal, etc. (2)

3 - Medidas anti-sociais levadas a cabo na Europa

Com variantes quantitativas, o quadro mais preciso das medidas que castigam os trabalhadores europeus, extrai-se do seguinte catálogo promovido a partir de Bruxelas, com a obediente aplicação dos governos europeus e o aplauso mais entusiástico proveniente do capital financeiro:

- Políticas deliberadas de rebaixamento dos níveis salariais em paralelo com a exigência de maiores qualificações, o que constitui uma dupla exploração;

- Constituição de bolsas enormes de pobreza, com especial incidência entre desempregados e reformados;

- Criminalização da imigração para mais fácil tornar a sobre-exploração dos imigrantes e, por indução, a de todos os trabalhadores;

- Redução das contrapartidas sociais em casos de desemprego, doença e pobreza, com incentivos políticos ao assistencialismo;

- Verdadeira perseguição e criminalização dos trabalhadores do Estado;

- Redução do acesso ou encarecimento a cuidados médicos, medicamentosos e desprezo pela instituição de um ensino de qualidade;

- Deliberada actuação no sentido da precarização das relações laborais em geral;

- Aumento das jornadas de trabalho e vulgarização do trabalho extraordinário não remunerado;

- Transferência para as famílias dos encargos com a educação e formação, integrada numa pesrpectiva mercantilista;

- Liberalização do despedimento, com alargamento dos motivos, redução das indemnizações e dos tempos de pré-aviso;

- Privatização acelerada e extensiva de empresas públicas e vulgarização da contratação de serviços a empresas privadas. Verdadeira coabitação entre trabalhadores do Estado e de empresas privadas no exercício de funções de carácter público ou pagas pelo Orçamento;

- Orgia privatizadora que pretende tornar mercadorias os cuidados de saúde, a educação, o espaço público, a água, a habitação, o património histórico, cultural e artístico, etc. Na realidade, a própria vida tende a ser uma mercadoria, com produção consumo e obsolescência;

- Reduzidas possibilidades de emigração favorecem a pressão para a aceitação pelos trabalhadores do quadro vigente de compressão salarial e dependência neo-esclavagista. Por outro lado, a homonegeidade do quadro político, económico e laboral em toda a Europa torna escassas as possibildades de melhoria das condições de vida através da emigração, a não ser num contexto de sobre-exploração;

- Acentuado pendor do controlo securitário da multidão, através de forças policiais e militares sofisticadas, agentes privados de segurança, videovigilância, formas de geolocalização, cruzamentos de bases de dados, controlo policial da internet, etc;

- Afunilamento do poder político e do quadro institucional num leque estreito de alternativas, tão estreito que só há a evidenciar diferenças cosméticas; e onde a acção política se apresenta como um espectáculo mediático, com a multidão com a multidão, passivamente, sentada no sofá;

- Crescente afastamento entre o conjunto formado por mandarins e patrões e a restante população, daí resultando uma crescente polarização social, com afundamento das classes médias que serviram de base a um fracassado “modelo social europeu”;

- Crescente homogeneidade no seio da multidão entre quadros, trabalhadores qualificados e não qualificados, no que respeita à segurança no trabalho e remunerações; essa homogeneidade extrai-se da profunda matriz de conexões de qualificações inerente às condições da produção mundializada de hoje mas, também da intenção niveladora por baixo, levada a cabo pelas burguesias;

- Estreitamento das opções no capítulo da informação, censurada manipulada e deturpada dos órgãos de informação mercantilizada e, demasiadas vezes, imbecilizante. O único espaço de liberdade de massas encontra-se, por enquanto, na internet, com ameaças poderosas por parte dos Estados e das grandes empresas de conteúdos.

4 – Elementos da crise económica, social e política portuguesa

A crise é bem mais profunda que a existente antes do 25 de Abril e, por diversas razões:

- A burguesia portuguesa perdeu qualquer autonomia no contexto global, contrariamente ao verificado nos anos 70 do século passado, quando lhe era permitido manter as guerras coloniais e, simultaneamente, beneficiar das vantagens comerciais da pertença à EFTA e do acordo com a CEE, lavrado em 2002;

- Do ponto de vista político, a burguesia portuguesa vê reduzir-se gradualmente o quadro institucional do exercício da sua soberania sobre o território e sobre a multidão, por força das prerrogativas detidas pelas instituições da globalização (Comissão Europeia, BCE, OMC, Pentágono/NATO, “mercados” financeiros, etc);

- Os capitalistas portugueses não têm qualquer projecto estratégico alternativo à diluição subalterna dentro de uma UE, dominada pelos capitais alemães e franceses. E, essa subalternidade, acentua-se pela incoerência política, pelo carácter neoliberal do chamado “projecto europeu”, alheio a qualquer política de geração de desenvolvimento harmónico e de solidariedades;

- Toda a Europa se insere na estratégia de domínio mundial do Pentágono, baseada no controlo das fontes e corredores energéticos e na actuação militar, em proveito prioritário da segurança energética dos EUA, embora com algum reforço e reconhecimento da relevância relativa do pilar europeu;

- A estrutura económica portuguesa anquilozou e vai definhando entre a desinsdustrialização e o esgotamento do crescimento alicerçado no imobiliário/obras públicas, espartilhada por um empresariato ignorante e incapaz e, por um menosprezo pela acumulação de saber e de qualificações dos trabalhadores, que remonta a Salazar;

- As debilidades económicas próprias, a anemia europeia, com especial relevo para as dificuldades espanholas, a próxima quebra do volume dos fundos comunitários, a redução das capacidades da teta orçamental, conduzem os capitalistas lusos a desenvolver actividade em três sentidos:

> a venda de activos (casos sintomáticos da Cimpor e da Vivo/PT);

> a alegre exportação de capitais para paraisos fiscais, Brasil ou Angola, com a cuidada conivência do seu governo;

> o esmagamento dos preços do trabalho assalariado;

- Para a multidão de trabalhadores e pobres, em Portugal, o quadro da continuidade é pouco auspicioso:

> As instituições ditas democráticas, dia a dia, surgem como cosméticas ou como fonte de autoritarismo mas, em qualquer dos casos distanciadas dos interesses da multidão, objectivamente sem representação alguma na gestão colectiva da sociedade;

> O Estado, cada vez mais empobrecido e assediado pelos capitalistas em busca de apoios e encomendas, vai abandonando ou restringindo a sua intervenção nas áreas sociais, da saúde e da educação e é atravessado pela impune e avassaladora corrupção protagonizada pelo PS/PSD, com o CDS a fazer o que pode para os acompanhar;

> Contrariamente ao sucedido entes do 25 de Abril, a válvula da emigração maciça está relativamente fechada, por ausência de destinos promissores para o trabalho;

> O autoritarismo evolui firmemente para um novo tipo de fascismo e é clara uma intenção genocida da burguesia portuguesa em relação a uma faixa da população com fracas capacidades de consumo e indutora de indesejados custos orçamentais – reformados, desempregados, trabalhadores pouco qualificados, excluidos;

> Contrariamente ao sucedido em 1974, não há forças armadas para desencadear golpes de estado contra o apodrecido regime cleptocrático vigente e permitir o desenvolvimento das movimentações populares, como então. Os trabalhadores portugueses podem e devem apenas contar consigo e com a construção da unidade anti-capitalista com os seus congéneres de todos os países, europeus em particular;

> Está-se longe da constituição de uma frente ou plataforma popular de unidade anti-capitalista susceptível de travar e fazer regredir o processo de retrocesso democrático e de perda de rendimentos e direitos, iniciado no final dos anos 70. As pretensões hegemónicas, o sectarismo messiânico, o conservadorismo, as tácticas conciliadoras com os governos e o patronato, afastam a multidão da actuação reivindicativa e política.

5 - Inconsistências e insuficiências à esquerda – Construção da unidade

Perante o simplificado elenco de factores estruturais, de ordem histórica, política, económica e social que se desenhou atrás, uma questão surge, instintivamente, na boca e no pensamento de todas as vítimas do capitalismo: que fazer?

É preciso avaliar melhor a configuração e a dimensão do que se torna necessário fazer para, numa primeira instância, estacar ou travar a ofensiva do capitalismo contra a multidão; e, numa segunda instância, preparar as acções para a extinção do capitalismo.

Quanto maiores forem as inconsistências e insuficiências à esquerda, mais valioso é esse trunfo para a ofensiva capitalista em curso; mais necessária é a sua discussão e a procura de alternativas de compreensão e actuação; mais necessária é a autonomia dos movimentos dos trabalhadores, dos pobres, da multidão de explorados, em toda a sua diversidade. Pretende-se, em seguida abordar, entre muitas dessas inconsistências e insuficiências, as que se prendem com a construção da unidade, particularmente no caso de Portugal.

Não é, de todo, aconselhável acreditar na viabilidade de que o capitalismo se desmorona de per si e que o poder de gestão colectiva das sociedades caiará instantaneamente nas mãos da multidão. Mesmo perante a crise financeira actual, o capitalismo mostra ter grandes capacidades de regeneração e sobrevivência.

Essas capacidades só serão diminuidas e anuladas se existir uma acção concertada e suficientemente global por parte da multidão de trabalhadores, ex-trabalhadores e pobres. Essa concertação exige uma unidade muito sólida em pontos fulcrais e alargada em termos geográficos.

Unidade não é unicidade, é a união das diversidades para a execução de acções comuns, consensualizadas de modo democrático, com todas as decisões participadas por todos e por todos susceptíveis de crítica; não é a colocação disciplinada e obediente atrás de um caudilho (individual ou colectivo) pretensamente indiscutível.

A realidade sempre foi composta de pluralidade, de diversidade, de convergências e divergências de opiniões e práticas. Todas as experiências uniformizadoras com Constantino, a Inquisição, Hitler ou Stalin acabaram por fracassar; demasiadas vezes, com muito sofrimento e sangue de permeio e no final. E, como é verificável, o pensamento único vertido pelo ideário neoliberal, que se integra nessa linha de uniformizção, só tem futuro no caixote do lixo da História.

Passando ao concreto

Em Portugal, durante muitos anos depois da estabilização nas ruas, nas empresas e nos quartéis imposta “manu militari” em Novembro de 1975, foi conferido ao PC (pela mão de Melo Antunes) um quase monopólio da oposição de esquerda, no mundo sindical e na AR, enquanto o PS surgia como coluna vertebral do sistema político.

Considerando os resultados das diversas eleições legislativas, assiste-se a uma lenta erosão dos votos no PC enquanto a outra esquerda eleitoral perde igualmente expressão, até 1999, com o surgimento do BE; em 2005 e pela primeira vez, as esquerdas fora do PC ultrapassam este último, o que se consolidou em 2009, quando o PC deixou de ser a principal força de esquerda na AR. (3)

A constituição do BE, independentemente da sua prática política ou do seu programa, demonstra como a unidade de forças de esquerda é vista pela multidão: constitui um polo de aglutinação de vontades e de mobilização, que vai muito para além da soma dos votos dos partidos, quando separados. A unidade é um factor incentivador da prática política ou, pelo menos, de interesse pela acção política e observa-se, quer no contexto eleitoral, sindical, ambiental e local, como no âmbito da empresa.

O nível das lutas sindicai e no local de trabalho constitui a principal base onde se torna mais fácil conseguir a unidade dos trabalhadores contra o capitalismo. Como se verá adiante, ela tem estado consciente e francamente dificultada.

Quase só no terreno e perante a desorientação, a repressão e a desorganização da restante esquerda após 1975, o PC tratou de consolidar o seu poder junto das organizações dos trabalhadores:

- Essa intenção surge, em primeiro lugar, do quadro ideológico, através da pretensão leninista de controlo das organizações de massas, a partir de uma rede disciplinada de militantes dedicados e inseridos numa burocracia partidária muito estrita, hierarquizada e de cariz sectário;

- Esta concepção típica dos PC’s é herdeira da tradição maniqueista das crenças monoteistas e baseadas num “livro” em que as pessoas se dividem em fiéis e infiéis, havendo entre estes alguma tolerância benevolente para com os convertíveis ou “recrutáveis” ou para os que aceitam a sua suserania e a subalternidade;

- Sendo o PC, para os seus quadros, “O Partido”, tudo no seu exterior é reaccionarismo ou esquerdismo, tomado este como “radicalismo burguês de fachada socialista” na impagável designação de Cunhal e tratado com especial desdém e ódio. O Partido é o repositório de todo o saber e o CC o fiel guardião das certezas científicas;

- Nesta concepção fechada e religiosa da realidade, a construção social não é plural ou, na melhor das hipóteses, restringe-se a uma pluralidade tolerada que interessa seja dominada, instruida pelos “illuminati”, os membros do partido; as decisões não são tomadas em moldes de democracia directa, apenas referendadas por elementos previamente escolhidos e instruidos sobre a votação conveniente;

- Assim, dentro deste plano ideológico e organizativo, foi estruturado um poder sindical hierarquizado, em que todas as decisões cabem a várias esferas hierárquicas (direcção, comissão executiva, secretariado, coordenador), cuja manutenção exige um conservadorismo avassalador nos métodos e nas pessoas físicas que o protagonizam. O importante é o controlo das estruturas sindicais cujo objecto é a inserção no quadro mais global dos interesses do partido, por muito obscuros que pareçam, não passando os interesses dos trabalhadores enquanto tal, de subalternos e instrumentais;

- Recorde-se que para essa pretensão hegemónica ser perpetuada pretendeu-se, ainda nos anos 70, que fosse o Estado a impor em lei, a unicidade sindical; isto é, o Estado definiria por lei o modo como os trabalhadores se organizariam, modelo aliás vigente nos países de capitalismo de Estado, cuja organização sindical nunca primou pela independencia face ao poder;

- Naturalmente que a direita aproveitou essa prática. Não conseguindo opor-se dentro da maioria dos sindicatos, inventou uma coisa chamada UGT, com apoios financeiros alemães fornecidos pela Fundação Friederich Ebert, ligada ao SPD. A UGT, dominando alguns sindicatos importantes (bancários e seguros, por exemplo) rapidamente foi ocupada pelo PS que subalternizou o seu confrade PSD, parceiro inicial nesse projecto de criação de uma estrutura sindical pertencente ao governo;

- Essa estrutura vertical e hierarquizada vigente não poderia ser aplicável em cada empresa, nas comissões de trabalhadores, contituidas na base, junto dos próprios trabalhadores, de difícil controlo burocrático e nas quais não seria fácil impor os interesses de qualquer partido. E por isso, as comissões de trabalhadores nunca foram incentivadas nem apoiadas, embora constituam as células elementares da luta e da unidade dos trabalhadores;

- A escassa existência de comissões de trabalhadores, aliada a um papel passivo da maioria dos delegados sindicais, transformados em mensageiros das respectivas direcções, gera um hiato entre a base dos trabalhadores, integrantes de vários sindicatos ou, mesmo não sindicalizados e os dirigentes e funcionários sindicais, distanciados da realidade concreta;

- Fica assim traçada uma situação em que os trabalhadores ficam mais facilmente submetidos às arbitrariedades e ao poder dos patrões, à informação da corporação mediática, sem uma representação democrática a nível do local de trabalho; e em que os dirigentes sindicais se constituem como casta muito interessada em se manter fora das agruras que impendem sobre a massa dos trabalhadores nos locais de trabalho, menos alcatifados que os gabinetes dos ministérios;

- Está imanente na descrição efectuada atrás toda uma desconfiança face aos trabalhadores em geral, relativamente às suas capacidades de criação de reivindicação, de luta, de unidade, do seu futuro. Entre os efeitos, nefastos, sobressai:

> Polarização da vida sindical em torno dos seus dirigentes e funcionários, em regra, quadros po PC;

> Distanciamento por parte dos trabalhadores, que se referem ao sindicato, não coisa sua mas, como algo distanciado, pouco acessível, “os tipos lá do sindicato”;

> Desindicalização acelerada, por desinteresse face à vida sindical, pela aposentação de muitos trabalhadores acompanhada com a não chegada de novos aderentes, dadas as condições de precariedade e mesmo de punição ou discriminação por parte dos patrões, dos trabalhadores sindicalizados;

> Desinteresse pela vida sindical dos militantes de esquerda não pertencentes ao PC, dadas as limitações para a sua expressão, excepção feita a quantos se sentem bem numa posição de subalternidade e de objecto de benevolência.

Sublinham-se, em seguida, casos recentes de aplicações “unitárias” mas não de unidade de diversidades contra o inimigo capitalista.

Na recente manifestação da CGTP de 29 de Maio foi visível como a direcção da central discrimina os não integrados na ordem sindical vigente, os não submetidos ao pensamento único decretado pelo que se pode designar como a “Confraria dos Órfãos de Brejnev”, isto é, a direcção do PC e os seus braços executivos, a coorte de funcionários, em regra, tão obedientes como canhestros.

- A direcção da CGTP teve o cuidado de ordenar a constituição de um cordão de segurança para impedir a entrada autónoma de grupos de activistas na manifestação. Só podem entrar os credenciados pelos burocratas sindicais, todas as outras pessoas são suspeitas ou indesejáveis;

- Mesmo o institucional BE só teve direito de se acrescentar ao desfile oficial, encerrado pelo mesmo cordão de segurança; repetimos, o direito de se acrescentar, não o direito de participar;

- Com essa atitude a CGTP demonstra que a unidade de que recorrentemente fala é a unidade dos submetidos ao pensamento único, legitimado pela sua direcção;

- Com esse cordão de segurança transformam-se trabalhadores em vigilantes de outros trabalhadores, em polícias privados, num papel vergonhoso e indigno de ser desempenhado por uma central sindical.

Em Setembro do ano passado foi criada a PAGAN – Plataforma Anti-Guerra, Anti-NATO vocacionada para gerar repúdio à cimeira da NATO em Novembro próximo, a realizar em Lisboa. Aberta a todas as tendências que se revejam naqueles propósitos, sabemos que a PAGAN, por duas vezes, escreveu à CGTP a solicitar um encontro; porém, como o grupo é constituido por activistas independentes, a CGTP nunca deu resposta.

Episódio pitoresco, segundo sabemos, verificou-se em Maio, no seguimento de um debate sobre a NATO em que Carvalho da Silva usou da palavra. À saída, o coordenador da CGTP foi abordado por um activista da PAGAN que lhe perguntou porque não havia respondido às cartas e o que tem contra aquele grupo anti-guerra. Carvalho da Silva ficou tão surpreendido, titubeante, qual pardal assustado, que até garantiu ir ver o que se passava, para dar resposta. O que ainda não fez.

No entanto a CGTP há meses que deu todo o seu apoio a uma estrutura que se diz pela Paz, constituida por organizações (ou meras siglas) do PC e alguns dos “compagnons de route” habituais. Se a CGTP é a central dos trabalhadores portugueses porque exclui uns a favor de outros? Não lhe competiria apoiar TODAS as forças políticas e sociais que se oponham à NATO e sejam pela paz?

Desta cegueira reaccionária e sectária o beneficiário é o capitalismo e Sócrates. Enquanto este assegura o apoio do PSD, dos banqueiros e do patronato para expoliar a grande maioria da população, os trabalhadores não conseguem unir-se para acções comuns, numa base democrática e fraterna, mesmo numa conjuntura tão negativa e perante uma ofensiva tão forte do capitalismo.

Não é altura de se construir uma unidade das diversidades todas que existem na esquerda portuguesa?

Vítor Lima

(1) Capitalismo hoje. Caracterização, crises e eixos estratégicos
http://www.scribd.com/doc/19242196/Capitalismo-hoje-Caracterizacao-crises-e-eixos-estrategicos
(2) A resposta capitalista que estão a preparar para a crise
http://www.scribd.com/doc/23725522/A-resposta-capitalista-que-estao-a-preparar-para-a-crise
(3) Os últimos 30 anos de eleições legislativas; perspectivas para Setembro
http://www.scribd.com/doc/17283662/Os-ultimos-30-anos-de-eleicoes-legislativas-perspectivas-para-Setembro

O que falta à esquerda?

Nunca como hoje as Esquerdas extra-parlamentares tiveram condições para apresentar uma candidatura às presidenciais, porque nunca como hoje estas Esquerdas tiveram uma posição comum. Ou seja, independentemente da área ideológica, há o reconhecimento da necessidade de:

1. Levar o protesto social às eleições;
2. Apresentar uma candidatura democrática, socialista e anticapitalista.

Acresce a este facto a circunstância de, nesta área, ainda não ter surgido nenhuma candidatura associada a uma organização (como em outras ocasiões ocorreu), nem seja previsível que tal venha a acontecer tendo em conta o tempo útil necessário para a formalizar.

É por demais evidente que uma candidatura, nascida das premissas enunciadas, teria condições não só de unir as várias Esquerdas extra-parlamentares, como para alargar a sua base social de apoio a eleitores de outras Esquerdas que não se revêem nas candidaturas já anunciadas.

E seria até criminoso que, perante esta situação, estas Esquerdas não aproveitassem a oportunidade de, pela primeira vez globalmente, não terem de votar útil ou de engolir o sapo “menos mau”…

Por outro lado, o surgimento de uma candidatura desta natureza, ao contrário de “dividir a Esquerda”, como alguns gostam de argumentar (como se a Esquerda fosse “chapa 5” de uma entidade única), levaria às eleições o eleitorado que não se reconhece no candidato de Sócrates e da direcção do Bloco de Esquerda, nem no candidato do PCP (seja ele/a quem for).

Falta à Esquerda unir-se em torno de um programa mínimo, rompendo necessariamente com a cultura da candidatura de grupo, e corporizar o programa numa personalidade (mais ou menos conhecida, pouco importa) que concite a concordância de todas as organizações e cidadãos envolvidos no processo de debate que tem decorrido e vai continuar, nomeadamente na Assembleia de 10 de Julho, a ter lugar no Palco Oriental, em Lisboa.

António Alte Pinho

http://www.combatesocial.blogspot.com/

segunda-feira, 28 de junho de 2010

sexta-feira, 25 de junho de 2010

(Proposta de) Apelo a uma Candidatura de Esquerda às Presidenciais

Contra a austeridade
Contra a ditadura da União Europeia
Contra a ditadura do capital financeiro


PELA DEMOCRACIA E POR UMA ECONOMIA SOLIDÁRIA

O Presidente da República dispõe de poderes constitucionais que lhe permitem intervir activamente na definição e condução das grandes opções políticas, nomeadamente, na economia, na promoção dos direitos sociais, na preservação dos recursos naturais, na soberania, defesa e relações internacionais.

Na grave situação a que chegou o país, esses poderes tornam-se ainda mais importantes, porque é obrigação do Presidente estar na primeira linha na defesa da liberdade e da democracia, atacadas pelos ultimatos da União Europeia, e na defesa dos trabalhadores, das famílias e dos jovens, vítimas do desemprego e da austeridade. Por isso, as próximas eleições presidenciais são decisivas para o futuro de Portugal e dos portugueses.

Estas eleições constituem um momento privilegiado para o debate e a discussão política acerca de novas políticas para o ressurgimento social, económico e cultural do país e a preservação da sua independência. Infelizmente, considerando os candidatos que se anunciam, não está de modo nenhum garantido que esse debate venha a acontecer.

Cavaco Silva e Manuel Alegre são dois candidatos que se filiam na mesma continuidade, que é a da ditadura PS/PSD, construída ao longo dos anos, em nome duma falsa alternância e ao serviço dos habituais comparsas. A situação de pré-bancarrota financeira e de bancarrota social iminente a que Portugal chegou não é explicável unicamente pelos efeitos da crise financeira internacional iniciada há dois anos nos EUA. Ela foi preparada e é consequência de factos bem conhecidos:

1. A submissão do Estado às grandes oligarquias financeiras.
2. O aumento da corrupção, alimentada pelos Directórios do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata.
3. A arrogância e a incompetência da Justiça e a sua dependência face aos poderosos.
4. O desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, os baixos salários, os congelamentos de salários, os aumentos de impostos, a lei da precariedade que passou a reger as relações laborais.
5. O aumento do desemprego que afecta mulheres e homens de todas as idades e que empurra, em particular, os jovens tal como aconteceu na fase final do Estado Novo, para a emigração.
6. A falência do sistema de ensino.
7. O descrédito generalizado dos partidos e do sistema político.

Manuel Alegre e Cavaco Silva representam a mesma face desta triste realidade. Não trazem nada de novo, não são portadores de nenhuma mensagem de esperança, não apresentam alternativas que mobilizem o país, que mobilizem as energias dos homens, das mulheres e dos jovens. Estão à margem das aspirações, das inquietações e dos sofrimentos do povo, são candidatos conformados com o desemprego e com a pobreza de mais de dois milhões de pessoas, conformados com o aumento dos impostos, com o fim dos apoios sociais, com o aumento da idade da reforma, com as pensões de miséria. São candidatos do Ricardo Espírito Santo (Salgado) e do capital financeiro que usa os recursos do país a seu belo prazer, que manipula os consumidores com promessas de crédito fácil, que asfixia as famílias e que não promove o desenvolvimento sustentável do país e a solidariedade económica.

São candidatos que se, por infelicidade para o país, viessem a ser eleitos se demitiriam das responsabilidades que a Constituição lhes confere e se limitariam a assistir impávidos ao agravamento do descalabro em que o país se encontra.

Porquê uma Candidatura de Esquerda?

Para que a campanha eleitoral seja esclarecedora e o povo possa votar em consciência, para que sejam apresentadas verdadeiras alternativas, para que Portugal seja capaz de iniciar um novo ciclo de prosperidade e justiça social, é necessário, é vital que a essas eleições se apresente um candidato de esquerda, um candidato apoiado por diferentes sensibilidades políticas, por movimentos sociais, por associações, por grupos de cidadãos.

Um candidato que defenda de maneira coerente e consequente um programa de esquerda no qual se identifiquem as causas das dificuldades actuais e se proponham soluções ousadas mas possíveis. Em nome de uma esquerda inventiva, defensora das liberdades individuais e da democracia e de um novo modelo de desenvolvimento económico e social.

Existem alternativas aos PECs e à política de austeridade da União Europeia, centrada exclusivamente no combate ao défice e em detrimento do crescimento económico. Não existe nenhuma justificação política ou económica para que um país seja obrigado a não ter qualquer défice. O que é que Portugal ganhou com a entrada no euro? Na opinião do economista João Ferreira do Amaral hoje “é relativamente consensual que a entrada no euro foi a principal razão da perda da competitividade” de Portugal. Como demonstra a presente crise, a estabilidade monetária e a protecção face à especulação dos mercados não foram garantidas pelo euro, isso não passou de uma miragem. O euro revelou-se um embuste, uma armadilha que está a destruir a nossa economia e a agravar as desigualdades sociais e a pobreza.

Esta União Europeia é um projecto claramente falhado. Desde logo, porque não foi decidida e construída livremente pelos povos e pelos cidadãos europeus.

Foi construída de cima para baixo. Não houve em Portugal nenhuma votação em relação à entrada na CEE, em relação à entrada no euro, em relação ao Tratado de Lisboa. Tudo tem sido decidido por gente, por burocratas, que ninguém elegeu. Para que a UE sobreviva e se justifique a sua sobrevivência, tudo terá que mudar, ela terá que ser uma união de povos, uma união de cidadãos, governada por instituições democráticas, respeitadoras das diferenças e das minorias.

Um modelo de desenvolvimento igualitário e ecológico,
uma economia solidária

O desenvolvimento económico terá que ser mais igualitário, mais justo, mais prudente, mais racional e mais preocupado com o futuro da Humanidade.

O principal direito social é o direito ao trabalho, o mais básico e estruturante de qualquer sociedade. A garantia de emprego com plenos direitos e o pleno emprego devem ser os principais objectivos a alcançar por uma política de esquerda.
No modelo de desenvolvimento que valoriza a economia social e ecológica, o terceiro sector deve desempenhar uma função crucial. O terceiro sector tende para a autogestão, para a igualdade e para uma relação atenta e interessada com o ambiente, promove a auto-organização dos produtores em empresas sem fins lucrativos, quer sejam iniciativas de criação de auto-emprego ou empresas que sucedam a empresas privadas em processo de falência.

A Caixa Geral de Depósitos, por ser uma banca pública, tem de apoiar a economia do terceiro sector, quer concedendo crédito proporcionado às capacidades das empresas sociais, quer desenvolvendo a prática do micro-crédito a pessoas envolvidas em iniciativas de auto-criação de emprego, quer fornecendo assessoria financeira gratuita.

Na medida em que o usufruto da propriedade privada deve também obedecer a finalidades sociais, também o sector privado deve ser solidário e a actividade empresarial deve ser devidamente avaliada e recompensada ou punida em função dos seus contributos e práticas sociais. Proporcionalmente aos seus lucros, as empresas devem quotizar para a Segurança Social. A lei fiscal deve ser revista de modo a estabelecer parâmetros justos no que concerne os impostos que são exigidos aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores independentes e às empresas, em particular, aos bancos. O sector financeiro deve ser rigorosamente regulamentado e fiscalizado e proibidas as transacções através de offshore’s.

Entre o Estado e o sector privado, a bem da ética política, da economia e da justiça social, as relações devem ser rigorosamente transparentes. Os contratos com empresas privadas deverão ser do conhecimento público e aprovados por adjudicação em concurso público.

Contra as desigualdades sociais e as discriminações

Os pobres, os idosos, os imigrantes clandestinos, os trabalhadores precários, os desempregados são as principais vítimas de desigualdades e de exclusão social.
São conhecidas também as principais vítimas de discriminação e de prepotências: as mulheres e todos quantos trabalham em ambiente de permanente stress e cujos direitos são desrespeitados.
A escola é muitas vezes a principal fonte de muitas desigualdades para toda a vida. Mas a luta contra o insucesso escolar não se resolve com falsas aprovações, isso é uma hipocrisia que só ajuda as estatísticas oficiais. As crianças e os adolescentes de famílias pobres não podem ser abandonados pela escola à sua triste sorte.

A frequência de um estabelecimento pré-escolar deve ser gratuito e começar para todas as crianças aos três anos, porque essa idade - é o que dizem os especialistas - é a idade decisiva na aquisição dos instrumentos mentais para o conhecimento. Todas as crianças devem poder ter acesso a uma creche pública a partir dos dois meses de idade.

São medidas a favor das crianças mas também dos pais, que precisam de ser ajudados a conciliar a vida profissional com as suas obrigações familiares. São medidas a favor de um direito essencial que é o direito de ter filhos e de os educar.

A pobreza quase sempre acompanha a velhice. A reforma da Segurança Social mudou as regras do jogo e retirou aos trabalhadores direitos que há muito estavam consagrados e que, por isso, deviam ser respeitados. Aumentou as desigualdades, porque fez diminuir as pensões de quem menos pode. É discriminatória porque não prevê que todos aqueles que exerceram profissões mais penosas possam aceder mais cedo à reforma, com plenitude de direitos.

Por uma sociedade do saber

O conhecimento, a ciência, a educação e a cultura são as principais alavancas da criação de riqueza numa sociedade justa e igualitária.

Em Portugal, os níveis de literacia, de conhecimento científico e de informação cultural são ainda muito baixos. Em grande parte, esse défice tem a sua origem no mau funcionamento do sistema de ensino.

No ensino superior, foi destruído o modelo de gestão democrática e a aplicação do protocolo de Bolonha contribuiu para desvalorizar os diplomas de licenciatura, aumentou a selecção social, não introduziu qualquer melhoria nas condições e no trabalho pedagógicos.

No ensino não-superior, chegou-se a uma situação insustentável de deterioração da qualidade do ensino, com professores desautorizados e desmotivados, tudo isto devido a reformas insensatas impostas pela gigantesca burocracia do Ministério da Educação.
Prioridade absoluta ao investimento na cultura, prioridade à criatividade artística, à promoção do bem falar, da expansão da língua portuguesa. No mundo que será cada vez mais global, precisamos das artes e da cultura, do cinema e da televisão, da literatura e do teatro, da música erudita e da música popular, da arquitectura, para afirmarmos a nossa identidade, para sermos reconhecidos e valorizados.

A cultura não vende directamente coisas mas aumenta os nossos capitais pessoais e colectivos. Aumenta a nossa auto-estima enquanto povo, leva-nos ao reconhecimento dos outros, a abrirmo-nos ao mundo como se abriram os portugueses de quinhentos. Leva-nos a ser cosmopolitas. Preparemos gerações cosmopolitas para o futuro, gerações capazes de competir no mundo global.

Criar novas dinâmicas demográficas e territoriais

A população portuguesa está em declínio e isso deve-se à baixa natalidade, que acelera o envelhecimento. O acentuar do declínio demográfico é um problema grave principalmente no Interior. Esta evolução deve ser enfrentada por um governo de esquerda como uma urgente prioridade política.

O centralismo concentra grandes investimentos no litoral e nas áreas metropolitanas, promove a concentração urbana e despromove a qualidade de vida de quem lá vive. E esquece o interior, ou seja, cerca de 2/3 do território nacional.

Portugal precisa urgentemente de uma política bem estruturada de gestão territorial direccionada para a revitalização do interior e a redução da pressão demográfica no litoral.

Paz e cooperação internacional

Na diversidade dos seus povos, a União Europeia podia ser uma casa, uma causa comum. Mas estamos cada vez mais longe disso. A União consagrada pelo Tratado de Lisboa não tem nada para oferecer aos milhões de desempregados e aos trabalhadores e às famílias com baixos rendimentos. Esta é uma Europa dominada pelo consórcio dos grandes países, pelos burocratas de Bruxelas, pelos grandes bancos e multinacionais. É a Europa do grande capital, contra a qual é preciso lutar. É preciso que as esquerdas europeias se unam e se entendam na luta por uma Europa democrática e solidária.

O mundo está a mudar aceleradamente, os centros de decisão estratégica estão a mudar para sul e para oriente, mas nem todas as mudanças têm um potencial pacífico para o futuro. É urgente evitar a guerra, é urgente acabar com todas guerras.

É falsa a ideia de que as guerras servem para resolver conflitos. O comércio pacífico aproxima os povos, as guerras só provocam desgraças e destruições e aproveitam aos traficantes de armas. Nesse sentido, a saída de Portugal da NATO deverá ser equacionada num contexto de uma política de paz, amizade e cooperação entre os povos.

Com a União Europeia à beira da implosão, impõe-se que Portugal procure novos parceiros internacionais O que é que nos impede? A fidelidade a uma Europa que sempre nos olhou por cima do ombro?

As nossas ligações a África, ao Brasil e à Ásia são um capital de um valor inestimável, cujas potencialidades estão ainda por desenvolver. Mas há outros parceiros à nossa espera, temos é que os procurar: Magrebe, África Subsaariana, América Latina. Foi por aí que nós andámos desde há muitos anos, quando éramos já uma espécie de párias, plantados aqui no extremo ocidental esquecido da Europa. Um extremo europeu periférico, sem rotas de comércio, estávamos condenados, como hoje. Mas descobrimos novos mundos, se calhar é essa a nossa sina.

Mário Leston Bandeira

(Projecto de) Manifesto Eleitoral para as Eleições Presidenciais de 2011

1. O Chefe do Estado declarará no uso da autoridade de palavra que lhe confere a presidência de todas as hierarquias e a representação do Estado (art. 120º CRP) que todas as decisões contra Direito, desde logo considerando o Direito Internacional dos Direitos do Homem, qualquer que seja a entidade decisora, fazem presumir a corrupção no plano do debate político e deverão fazê-lo no plano do Direito a constituir;

2. O Chefe do Estado não promulgará leis nem as mandará publicar (134/b) antes de verificar a sua compatibilidade com a arquitectura do sistema Jurídico-Político e com os pressupostos jus-filosóficos do sistema, designadamente apurando que se não lançam restrições, nem dúvidas quanto a eventuais restrições de Direitos Fundamentais;

3. O Chefe do Estado suscitará a declaração de inconstitucionalidade de todas as normas desviantes e relativas ao estatuto pessoal dos cidadãos, ou que nesse estatuto possam reflectir-se (interdições e inabilitações, por exemplo, compreendendo a inabilitação punitiva prevista no Código de Insolvência, como em Direito Tutelar de Menores pode solicitar a eliminação da proibição de defesa por intervenção de advogado nos casos de averiguação oficiosa da paternidade (processo que aliás traduz simples intrusão na reserva da vida privada e devendo em conformidade ser integralmente revisto),

4. Em Direito do Trabalho, o Chefe do Estado suscitará a declaração de inconstitucionalidade do conceito de “condição de trabalhador subordinado” que o nacional-catolicismo trouxe à lei – entre outras entretanto eliminadas pelos discretos socialistas - e ainda aí se encontra como insulto à cidadania, o Chefe do Estado combaterá e visará a eliminação de todas as referências normativas que colidem, ainda no Código de Trabalho, com a igualdade dos cidadãos perante a lei, preservando a hierarquia como apanágio exclusivo do Direito Público, motivo pelo qual não pode haver - e não há - “subordinados” nem “superiores”em Direito do Trabalho;

5. Outro tanto ocorrerá em Direito Penal, entendendo-se que o esbatimento, senão eliminação, das circunstâncias dirimentes e atenuantes, traduz atentado contra as garantias de defesa inconstitucionalmente (e intencionalmente) trazido à lei e o Chefe do Estado empenhar-se-á na restauração dos Direitos, Liberdades e Garantias, como aspecto fundamental da Ordem Pública e condição imprescindível do regular funcionamento das instituições;

6. Devem eliminar-se, pela mesma via da declaração de inconstitucionalidade e com o mesmo empenhamento do Chefe do Estado, todas as situações passíveis de interpretação como subordinação pessoal dos cidadãos aos titulares em exercício de qualquer cargo público (não há subordinação pessoal em República) de igual modo devendo ser eliminadas quaisquer referências legais com o mesmo alcance (exemplificativamente, o conceito de sujeição nos Estatutos da ERC, da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Enfermeiros, porque as entidades reguladoras são-no de actividades e não de pessoas, individual ou colectivamente consideradas);

7. Não pode excluir-se relativamente à subversão dos valores, princípios e normas materializada no processo legislativo, a remessa a processo penal dos redactores materiais de fórmulas como as exemplificadas, sem prejuízo da responsabilidade, pelo menos política, de quem aprovou, promulgou e fez publicar tais soluções e o Chefe do Estado promoverá o exame de cada uma dessas situações em ordem à conclusão prática que a cada caso couber, tratando-se como se trata de simples (e ilícita) viciação do processo de formação da vontade do Estado;

8. O Chefe do Estado entregará ao Ministério Público para procedimento criminal o caso da viciação da tradução oficial da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e enunciará que a “reputação” não se traduz por “honra”;

9. O Chefe do Estado terá em atenção que a subsistência de uma magistratura formada nos pressupostos da pragmática salazarista, como é infelizmente o caso, traduz incompatibilidade prática radical com os pressupostos jus filosóficos do sistema e é – como tem sido - factor de subversão política,

10. Também por isso o Chefe do Estado fará examinar o trabalho – ou a vacuidade intelectual – das Faculdades e Departamentos de Direito que têm feito possíveis tais e tão graves amputações de formação entre juristas, recomendando as reformas de necessidade evidente mesmo pela contratação noutros países da União Europeia de professores de Direito que possam revitalizar esta área de estudos em ordem à obtenção da formação jurídica adequada aos tempos e fiel aos pressupostos jus filosóficos do sistema;

11. O Chefe do Estado assumirá como emergência grave (134/e) o livre curso da arbitrariedade no aparelho de Justiça, a falta de fiscalização política suficiente do cofre geral dos tribunais e respectivas decisões de despesa da gestão financeira correspondente, como solicitará o levantamento, publicação e debate público da jurisprudência contra Direito elaborada também nos Tribunais Superiores e bem assim ordenará se proceda à inventariação de quaisquer outras formas de constrangimento ilícito em detrimento das Liberdades e Direitos Fundamentais ou comportando eliminação das garantias constitucionais, tanto na Lei como na prática decisória;

12. O Chefe do Estado assumirá e tratará como emergência grave a situação dos processos de execução, compreendendo os seus aspectos legislativos e abrangendo o código de insolvência, apontando-os como áreas e instrumentos onde quotidianamente se constrói a ruína de pequenas sociedades, pequenas empresas e devedores individuais, muitas vezes vitimados pelo financiamento bancário, sem que nenhuma moratória possa requerer-se por radical ausência de previsão legal (traduzindo os financiamentos simples necessidades geradas em boa parte pela corrupção e especulação – com efeitos escandalosos nos preços - e pela alteração da correlação de forças no mercado de trabalho, que fez suprir pelo crédito a quebra do rendimento do trabalho)

13. O Chefe do Estado sublinhará ao Ministério Público as práticas judiciárias consentidoras do saque ao património dos devedores – a fim de que verdadeiros gangs de assaltantes possam funcionalmente dissipar, como têm podido, esses patrimónios por ínfima fracção do seu valor, numas mal disfarçadas apropriações ilícitas, em detrimento às vezes dos credores mas sempre dos devedores, sempre materialmente desapropriados de tudo, até com penhoras de bens impenhoráveis, sem que a situação debitória possa conhecer qualquer abatimento significativo – e isto com radical passividade, senão conivência e objectiva protecção dos tribunais;

14. O Chefe do Estado insistirá num inquérito parlamentar quanto à situação do aparelho de Justiça, com audiência pública dos magistrados que hajam subscrito sentenças em contrário às orientações jurisprudenciais vinculativas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, uma vez ouvidos, devem remeter-se para debate e julgamento penal as eventuais denegação de justiça e condução contra direito verificadas, compreendendo as práticas decisórias plasmadas nos textos publicados pelo Tribunal Constitucional;

15. O Chefe do Estado insistirá na utilidade do inquérito parlamentar célere que evidencie as aberrações verificadas (e sem precedentes historicamente conhecidos) para que assim se revelem as linhas de reforma estrutural necessária da judicatura e dos códigos de processo;

16. O Chefe do Estado, por acto de competência própria, proclamará politicamente ilícito e juridicamente inadmissível a omissão nas sentenças judiciais da menção à respectiva prolação em nome do povo português, porquanto tal omissão traduz (provocatoriamente) verdadeira usurpação da soberania popular;

17. O Chefe do Estado estará atento à situação das forças de segurança e dos corpos de investigação criminal, como parte integrante da crise do aparelho de justiça, sendo seguro, como é, que a mais violenta e perigosa delinquência tem surgido desses âmbitos organizacionais, compreendendo homicídios perversíssimos (de adolescentes, de presos, de detidos) como a própria prática da tortura - sempre escassamente investigada apesar de abundantemente indiciada - e também aqui o Chefe do Estado suscitará que lhe sejam fornecidas especificadas informações quanto às disfunções nestes quadrantes, remetendo-se as correspondentes informações à opinião pública para debate político e a processo criminal para a solução dos problemas que haja a resolver, não excluindo a utilidade de um inquérito internacional com participação do Comité do Conselho da Europa para a prevenção da tortura;

18. O Chefe do Estado pedirá especificadas informações ao funcionamento da Ordem dos Advogados como mecanismo de concorrência ilegal entre profissionais antes livres, fará examinar o seu estatuto actual como instrumento ilícito de policiamento político e religioso, e incentivará um inquérito com comissão internacional às práticas com o alcance de policiamento da palavra, retaliação sobre imperativos de consciência e reivindicações de justiça, que indiciam o condicionamento – pala dissuasão massiva dos advogados - do acesso dos cidadãos à Justiça e aos Tribunais; o Chefe do Estado fará remeter a processo criminal, se outra entidade o não fizer, as materializações concretamente verificadas das condutas publicamente indiciadas e acima genericamente referidas que possam ser confirmadas em inquérito às práticas decisórias naquele âmbito organizacional;

19. O Chefe do Estado estará atento ao silêncio que se abate sobre as investigações da pederastia, exemplificativamente quanto aos hábitos do clero católico em Portugal – único lugar da Europa onde tal situação não foi objecto de inquérito ou investigação séria, indício de estarmos no lugar da Europa onde a situação é mais grave - e chamará a atenção para a premente necessidade de um inquérito circunstanciado, dirigido por comissão internacional, à inteira constelação asilar de vitimação de menores portugueses – compreendendo a inteira estrutura Tutelar de Menores e Tribunais de Família - a fim de que a opinião pública possa dispor de informações precisas para, também neste quadrante, se avaliar o papel do aparelho de justiça – como do desempenho de quaisquer titularidades de quaisquer cargos públicos - na protecção objectiva das práticas ilícitas;

20. O Chefe do Estado vigiará para que a eventual – mas praticamente segura - instauração de processos criminais quanto às condutas dos pederastas do clero, não esqueça, segundo os dados já genericamente disponíveis, a chefia de igreja como cúmplice, devendo insistir-se na importância da dedução de pedido de indemnização civil do próprio Estado – tantas vezes chamado a subvencionar estruturas afinal perversíssimas - e também contra a Cidade do Vaticano;

21. O Chefe do Estado eliminará pelo indulto, sempre que a gravidade dos delitos não imponha outra solução, as inconveniências práticas de quaisquer decisões penais contra Direito, usando essa expressa menção como fundamento, aqui se considerando contra Direito todas as decisões condenatórias (sejam elas de multa ou pena privativa da liberdade) em violação dos critérios jurisprudenciais do Direito Internacional dos Direitos do Homem;

22. O Chefe do Estado usará o indulto nos casos em que as situações prisionais façam perigar com verosimilhança a vida dos reclusos condenados, remetendo ao Ministério Público os indícios de ameaça de homicídio para serem investigados como homicídios na forma tentada (uma vez que o terror carcerário da ameaça de morte integra e define, na sua concreta configuração o modo dos assassinatos até hoje conhecidos, sendo um dos seus meios e instrumentos, tendo conduzido pelo pânico e muitas vezes – segundo os dados publicamente conhecidos - ao suicídio que assim se logra induzir);

23. O Chefe do Estado dará indicação ao Ministério Público do excesso de prisão preventiva – de acordo com os critérios jurisprudenciais do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – sempre que tenha conhecimento de ter sido ultrapassado o ano de reclusão sem imputações formalizadas em acusação, ou sempre que a prorrogação da prisão preventiva se faça sem a fundamentação devida a tal decisão (de acordo com os critérios de Direito Internacional dos Direitos do Homem);

24. O Chefe do Estado incluirá a militância política em favor da liberdade de palavra, de pensamento e bem assim em favor de quaisquer direitos fundamentais - porque todos traduzem a fidelidade à Dignidade Humana - como imprescindível contribuição à política de defesa nacional e preservará de qualquer ultraje futuro os militantes que mais se tenham distinguido na defesa dos direitos civis e políticos, outorgando-lhes graus honoríficos correspondentes à bravura ou altruísmo revelados;

25. O Chefe do Estado solicitará especificadas informações quanto à gangrena do movimento cooperativo e à radical opacidade em que se tem mantido o desvirtuamento do respectivo órgão de fiscalização, sendo certo que o cooperativismo (compreendendo o mutualismo) é instrumento inapreciável de solidariedade recíproca em todos os domínios da actividade económica e social e instrumento não negligenciável de controlo do mercado (designadamente do mercado financeiro),

26. A corrupção, controlo, parasitagem e eliminação prática do movimento cooperativo e o desvirtuamento das suas estruturas, devem ser remetidos a tratamento jurídico-penal com plausível enquadramento na fraude fiscal, se mais graves factos não emergirem da informação a produzir, como plausivelmente ocorrerá;

27. O Chefe do Estado, insistirá na necessidade de vigiar os preços dos fornecimentos públicos – porque em Portugal há mais corrupção que déficit - e pedirá especificadas informações quanto à gestão dos serviços públicos na saúde, na educação e na cultura (compreendendo os meios públicos de rádio e televisão) em ordem à cabal compreensão – que se oferecerá à opinião pública – dos desvirtuamentos de gestão que têm feito possível a parasitagem dessas estruturas organizacionais por interesses económicos ilícitos e privados, compreendendo o descalabro de gestão usado como justificação, em técnica generalizada, para apresentar à opinião pública as privatizações como solução económica;

28. O Chefe do Estado demitirá o governo, ou dissolverá o parlamento, quando neles verifique, após expressa advertência pública, que um e outro órgão recusam (como até hoje), dar cumprimento aos ditames do Direito Internacional dos Direitos do Homem, em qualquer área jurídica ou política de intervenção;

29. O Chefe do Estado vigiará para que as preocupações securitárias, tal como gizadas no Conselho Europeu de 30 de Março de 2010, não tenham em Portugal qualquer aplicação, designadamente em quanto respeita à vigilância policial ilícita de homens e mulheres colocados sob forte pressão das circunstâncias sociais e económicas em que se encontrem (desemprego, insolvência, como meros exemplos) sob pretexto de serem passíveis de radicalização política e por isso poderem constituir perigo para a segurança dos estados da União.

30. O Chefe do Estado usará a sua autoridade de palavra no plano das relações externas, em favor da ampliação do significado político internacional do Conselho da Europa, em ordem à ampliação da unidade euroasiática, tomando o espaço de Reikjavic a Vladivostok como espaço natural de afirmação dos valores europeus, em diálogo com as culturas da Ásia;

31. Ainda no plano das relações externas o Chefe do Estado insistirá na imprescindível necessidade da denúncia da Concordata que tem escorado, na cena política nacional, um vector militante cuja acção, infelizmente, se tem manifestado em prol do sub-desenvolvimento e em detrimento das liberdades fundamentais e ponderado o demonstrado facto da nunciatura em Lisboa dirigir e fiscalizar directamente a acção dos bispos católicos em Portugal, envidará esforços no sentido de, se mais severa reacção não couber ao caso, declarar tal núncio persona non grata – o mesmo ocorrendo com qualquer outro que tal conduta mantenha – em razão da actividade evidentemente incompatível com o seu estatuto diplomático, porque não pode haver em território nacional policiamento alheio à Soberania Portuguesa, nem meios de constrangimento que o Direito Português não contemple;

32. O Chefe do Estado, de acordo com o seu estatuto de Comandante Supremo das Forças Armadas, vigiará a utilização das FFAA em teatro de guerra, manifestará a sua oposição à respectiva intervenção em guerras sem declaração, sobretudo quando ocorra a desqualificação formal que vise designar qualquer guerra como mera “operação” militar (que não careceria das formalidades da declaração de guerra);

33. O Chefe do Estado exigirá a retirada das unidades portuguesas de todos os teatros de operações para onde sejam ou tenham sido fraudulentamente conduzidas, remetendo os responsáveis por tais utilizações fraudulentas das FFAA ao Ministério Público para processo criminal, apresentando às populações vitimadas o pedido de perdão em nome do Povo Português.

José Preto

quinta-feira, 24 de junho de 2010

É preciso um candidato de esquerda... há por aí alguém disponível?

Manuel Alegre é o candidato do partido do governo e também da direcção do Bloco de Esquerda. Fernando Nobre, assumido como uma "iniciativa cidadã" que não é de direita nem de esquerda, é a candidatura "marca branca" ...

No dia 22 deste mês, participei numa reunião de activistas de diversas esquerdas que estão preocupados com o estado a que as esquerdas chegaram quanto às próximas presidenciais.

Os activistas das esquerdas - de diversos partidos, de diversas associações, individualmente - manifestaram preocupação por esta espécie de "nível zero" a que as esquerdas chegaram. Um "nível zero" que se resume no seguinte:

os candidatos ditos de esquerda movimentam-se na área do partido do governo e avançam com propostas que pouco ou nada se diferenciam do presumível candidato da direita, o actual Presidente;

de um momento para o outro, as esquerdas sentem dificuldade em identificarem um candidato comprometido com propostas anti-capitalistas, democráticas e socialistas, e, pior ainda, sentem que hipotéticos nomes identificados com uma candidatura das esquerda que o são, aceitem o desafio;

o voto útil numa primeira volta das Presidenciais não faz sentido. Mas a luta contra a direita numas Presidenciais fica sempre refém da existência de uma 2ª volta e, nessa 2ª volta, lá estará novamente o tal voto útil nos candidatos que só são de esquerda, no momento das campanhas eleitorais.


Há um imenso espaço social à esquerda e de cidadãos revoltados com os efeitos desta crise que não se revêm nas actuais candidaturas presidenciais.

Nesse espaço social, cresce alguma angústia pela incapacidade prática e concreta de se apresentar alguém com o prestigio e a notoriedade políticas e sociais suficientes para a reafirmação dos valores, principios e propostas das esquerdas de afirmação democrática, socialista e anti-capitalista.

Os principais partidos das esquerdas com representação parlamentar têm uma responsabilidade notória no estado a que se chegou. Mas as esquerdas extra-parlamentares parece que só se lembraram de influenciar alguma coisa, tarde e a más horas!...

O parlamentarismo dito de esquerda e algum esquerdismo que continua a pulular entre as esquerdas extra-parlamentares, juntaram-se objectivamente criando uma situação política perfeitamente aberrante e de consequências negativas.

É incompreensível que a onda de protesto social e laboral existente em Portugal e por essa Europa, não tenha nenhuma repercussão política no aparecimento de uma candidatura alternativa às do situacionismo governamental e parlamentar.

Na minha opinião, o tempo para a apresentação de uma candidatura das esquerdas, socialistas, democráticas e anti-capitalistas escasseia a um ritmo intenso! Ou seja, não há muito tempo ... mas ainda sobra algum!

Como militante do Bloco de Esquerda que participou na última Convenção Nacional e apelou, com mais 305 bloquistas, a uma Convenção Extraordinária que discutisse democráticamente a decisão a tomar quanto a uma candidatura presidencial, assumo que seria muito importante e mobilizador que fosse possível a apresentação de uma candidatura de afirmação alternativa às que já surgiram e surgirão, formalmente situadas à esquerda.

O Bloco de Esquerda é uma referência política alternativa na esquerda socialista que conseguiu a convergência de correntes com experiências politico-ideológicas muito diferentes à esquerda. Conseguiu também um impacto social e eleitoral notável. Mas, com o passar dos anos e o sucesso eleitoral, parece que uma das principais mensagens fundacionais - correr por fora ... estar com e nos movimentos e as lutas sociais ... - se foi esquecendo! E o cúmulo desse esquecimento é a partilha de uma mesma candidatura presidencial com o partido do Eng. José Sócrates!

Estou convencido que muitos bloquistas, muitos eleitores que votam Bloco de Esquerda, muita gente que via novidade e coragem políticas na postura do BE, não compreendem, não aceitam a escolha do candidato Manuel Alegre pela direcção política bloquista!

Essas pessoas esperavam que o Bloco de Esquerda fosse, mais uma vez, referência de esquerda de confiança, energia alternativa, na escolha de um candidato que agora soubesse incorporar o protesto social que cresce contra as falsas soluções para a crise impostas pelos governos europeus, como o de José Sócrates, às ordens da Europa de Durão Barroso.

Por respeito às expectativas dessas pessoas, por referência aos principios fundacionais do Bloco de Esquerda, por não querer contemporizar com políticas neo-liberais, estou comprometido com a busca activa de uma candidatura das esquerdas democrática, socialista e anti-capitalista que saiba dar voz ao protesto social!

O tempo não ajuda, é um facto!

Mas no movimento e no protesto sociais ficarão a saber que, contra a corrente do conformismo das esquerdas parlamentares, buscou-se, tentou-se!

João Pedro Freire

http://militantesocialista.blogspot.com/

PS e Sócrates apoiam Manuel Alegre. E agora?

(In Ruptura/FER - Quinta, 03 Junho 2010)

Agora é oficial: o PS de José Sócrates e do governo que aplica o maior ataque às condições de vida dos trabalhadores desde o 25 de Abril apoia Manuel Alegre às presidenciais de 2011. Nada que cause surpresa, pois esta é a melhor solução para o PS – que não tem alternativa com mais força eleitoral nem que lhe dê uma providencial tonalidade de "esquerda" – e para Alegre – que conta com este apoio para ganhar as eleições presidenciais. Mas esta não é a melhor solução para os trabalhadores nem para os partidos de esquerda, como o Bloco de Esquerda. Porquê?

Porque Alegre apoia os PECs

Sobre este tema, o candidato do PS não deixa dúvidas. "As medidas que foram tomadas aqui foram tomadas em Espanha e em todo o lado", disse ele em entrevista à RTP. Ele culpou os especuladores e a União Europeia – e não o governo Sócrates e o PSD que garantiu a este a maioria de votos na Assembleia da República para aprovar os PECs – por obrigarem os governos a levar a cabo planos de austeridade.

Alegre disse que teria preferido que não se tivesse chegado a esta situação, que se "tivesse cortado mais na despesa" que nos apoios sociais, mas deixou claro, como já dissera anteriormente, que não havia outro caminho. Isto é, que aplicar o PEC1 e PEC2 está correcto, que é inevitável reduzir os salários, aumentar os impostos da população, cortar no subsídio de desemprego, no investimento público e, desta forma, aumentar o desemprego e pobreza.

O candidato foi ainda mais longe e saudou o acordo entre PS e PSD no combate à crise. Isto é, para Manuel Alegre, o acordo entre PS e PSD para aprovar os PECs deve ser "saudado", "apoiado", "elogiado", pois combate a crise. Pior: disse ainda que este acordo deveria ser mais alargado para envolver todos os partidos e parceiros sociais. Isto é, que desse acordo deveriam fazer parte Bloco, PCP, CGTP, a direita, todos, numa grande concertação social. Para quê? Para apoiar o "inevitável" plano de austeridade do PS.

Por isso não é de estranhar que, na mesma entrevista à RTP, Alegre tenha dito, em relação ao movimento sindical, que este não pode ter uma "linha só de resistência". Poucos dias depois de uma manifestação nacional com centenas de milhares de trabalhadores contra as políticas do governo, a 29 de Maio, em Lisboa, convocada pela CGTP e apoiada pelos partidos de esquerda, Alegre critica a exclusividade da "linha só de resistência" e sugere uma concertação social. Para quê? Para apoiar o "inevitável" plano de austeridade do PS.

Porque Alegre é o candidato do governo Sócrates

Não há malabarismo possível: Alegre é o candidato de Sócrates e do PS, que estão no governo. Alegre tenta negá-lo com sofismas (os mesmos, aliás, repetidos no Bloco). "Não sou um candidato do PS, sou um candidato apoiado pelo PS", disse ele na mesma entrevista. Uma explicação que não convence ninguém, nem mesmo o seu actual arquiinimigo no interior do PS, Mário Soares, que reagiu com bastante contrariedade ao anúncio de Sócrates sobre a decisão do PS em apoiar Alegre.

O facto é que o apoio do PS a Alegre teve como condição o seu apoio ao programa de austeridade do governo e o seu silêncio conciliador ou respostas vazias em questões essenciais, como o desinvestimento público, o desemprego, etc. Foi por isso que as críticas feitas por Alegre ao primeiro PEC não se repetiram no segundo. Sobre o segundo, disse ser inevitável. Para ter o apoio do PS, Alegre está a pagar um preço: o preço da subserviência ao governo. O condicionamento político de Alegre ao governo PS e aos seus planos políticos é e está a ser inevitável. O resto é sofisma.

A sua gratidão a Sócrates e ao PS, sem o apoio do qual, admitiu, "é muito difícil ganhar uma eleição presidencial", ficou evidente no elogio que fez ao primeiro-ministro, considerando que, ao escolhê-lo como candidato, colocara os interesses "do partido e da esquerda" acima dos sentimentos pessoais e que agira com "ética e convicção".

Por que o Bloco insiste em apoiar Alegre?

Depois da escolha de Alegre pelo PS, o dirigente do Bloco, Francisco Louçã, disse que esta "não é uma campanha dos partidos" e que estará "ao lado dos argumentos fortes de uma campanha pela igualdade" e que "combate o abismo económico" do país. Cabe perguntar se uma campanha como a de Alegre – um candidato que apoia os planos de austeridade do governo – combate o abismo económico ou, pelo contrário, ajuda a empurrar o país para este abismo.

Louçã insiste em relembrar o Alegre do "passado", que votou contra o Código do Trabalho e as privatizações, que apresentou a sua própria candidatura, em 2006, contra a candidatura do PS na altura, de Mário Soares. Se Alegre mantivesse essa mesma postura e independência política seria correcto apoiá-lo, pois estaria claramente contra o governo PS/Sócrates e as suas políticas. Mas este Alegre não existe mais: o Alegre actual apoia a política do governo. E mais: o Alegre actual é o candidato do PS/Sócrates. No essencial, entre a de 2006 e a de agora, são candidaturas diametralmente opostas: a de 2006 era de oposição ao governo, enquanto a de agora é a da situação, é a do PS/Sócrates.

Por mais malabarismos semânticos a que se recorra, apoiar Alegre hoje é apoiar o candidato do governo Sócrates.

Direita x Esquerda

À falta de argumentos para apoiar o mesmo candidato de Sócrates, alega-se o confronto entre a esquerda, personificada na candidatura de Alegre, e a direita, de Cavaco Silva. O coordenador da Comissão Política do Bloco utiliza este argumento: apoiar Alegre seria "a única forma de responder à candidatura da direita, que é Cavaco Silva, que é a candidatura do situacionismo, que apadrinha todas as políticas que têm fechado os olhos ao desemprego e à crise económica".

Este argumento é incorrecto: há dois candidatos situacionistas: o do governo, Alegre, e o da direita que apoia o governo, Cavaco Silva. Alegre, ao apoiar a política de direita do governo Sócrates, deixa de ser uma alternativa de esquerda, mas a alternativa da confusão e da sustentação do governo, mas apresentada como de esquerda.

Infelizmente, a esquerda e os trabalhadores não têm um candidato seu, de oposição ao governo, que apoie as lutas sociais contra os planos de fome e desemprego do PS, PSD e CDS-PP e que apresente uma verdadeira alternativa à crise económica.

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Foto: DR

Contra a resignação

ASSEMBLEIA DE ACTIVISTAS
POR UMA CANDIDATURA PRESIDENCIAL DE ESQUERDA

10 de Julho, Sábado
Lisboa, Palco Oriental (Calçada Duque de Lafões, nº78)

A Assembleia inicia os seus trabalhos a partir das 10h00, prolongando-os até às 18h00.

Entre as 13h00 e as 14h30 será efectuado um intervalo para almoço, que ocorrerá num restaurante próximo (o preço por refeição não deverá exceder os €8,00).

A ordem de trabalhos será decidida no início da Assembleia, altura em que se procederá à eleição da mesa.

A Assembleia é aberta a todos os activistas de Esquerda que se revejam na necessidade de um candidatura para levar o protesto social às presidenciais.

Confirmações de presença para o e-mail: esquerda2011@gmail.com ou para o telemóvel: 915 229 504.

Textos de opinião, sugestões e propostas deverão, de igual modo, ser encaminhadas para o e-mail em referência.

Transportes
Autocarros 28, 39, 718, 793
Localização

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Três textos de António Pedro Dores

Estratégia de recuo

A situação estratégica portuguesa não aparece favorável, na sua configuração actual. Por isso as atenções de vários quadrantes geralmente divergentes se voltam outra vez para o Brasil, mas agora como potência dirigente a quem possamos servir.

A configuração actual não é boa e não só se espera a qualquer momento as formas através das quais se concretizarão as maiores dificuldades políticas e económicas como não há esperança de melhorias, tanto quanto as previsões possam alcançar.

A desertificação do país é um risco apontado pelos especialistas do clima, da demografia e da crítica. Geografia, populações e mentalidades em uníssono parecem confirmar uma desgraça de grandes dimensões, mesmo sem a crise económica – que é a primeira – e financeira – que é mais reconhecida.

Pode pensar-se como o George W. Bush, que é como quem diz não pensar: dizer que devemos continuar a fazer o que sempre fizémos e ignorar previsões catastróficas por estas serem imorais e desmoralizadoras. Diria que esse é actualmente o pensamento dominante em Portugal, inspirado no bloco central dos interesses locais e também na influência da classe política triunfante que vingou no ocidente como resultado do êxito das políticas conhecidas como neo-liberais. É certo que há quem queira abrandar o investimento do Estado – por exemplo, nas grandes obras públicas – mas não é para fazer diferente daqui para a frente. Querem fazer exactamente o mesmo, mas como se fosse tudo privado, abandonando o público à sua sorte.

Mas pode também pensar-se que o fracasso do capitalismo com regulação mínima (e cumplice) está a pedir mais intervenção pública, mais democracia, aquilo que o Estado não quis proporcionar nas últimas décadas e que cada vez mais mostra não querer nem estar em condições de proporcionar no futuro. A existência de inúmeros programas de regulação em muitas das principais áreas de actividade social e económica mostra que eles só não foram eficazes porque a iniciativa privada se lhes pode opôr subordinando o Estado às suas próprias vontades (irrealistas) tendo-nos feito chegar ao estado em que estamos.

Os Estados ocidentais organizaram a globalização, como forma de ultrapassar os constrangimentos laborais impostos pela regulação social própria dos Estados Providência à arrecadação de lucros. Foram explorar lá fora o que não conseguiam explorar cá dentro. Isso permitiu, uma vez desenvolvido com sucesso o esquema infraestrutural apropriado (de que a rede financeira que permite deslocar instantaneamente o capital e produzir moeda especulativa ad-hoc é uma parte), retornar aos territórios do centro do capitalismo e pressionar os salários até uma equalização global, em nome da competitividade. Na verdade o que ocorre é o esvaziamento não apenas moral mas também económico e financeiro do centro do capitalismo, em vias de ser substituído por novas paragens geográficas, a Oriente e a Sul.

Terá aspectos benéficos, esta redistribuição do poder e da riqueza no mundo. Porém, o modelo de desenvolvimento que estamos a considerar continua a ser o capitalismo puro e duro, medido pelo PIB, com desconsideração quer da pegada ecológica, quer do rendimentos disponível das famílias, quer do desenvolvimento humano. A China, a Índia, a Rússia ou o Brasil competem pela felicidade dos respectivos povos do mesmo modo que os países ainda do centro do capitalismo o fizeram, para agora nos dizerem serem incapazes de manter as promessas de bem-estar e protecção contra os fados tradicionais, fome, doenças, isolamento e maus tratos sociais. Com a agravante de após a experiência industrial estarmos com problemas ecológicos produzidos pela actividade humana desconhecidos anteriormente.

O envelhecimento da população no centro do capitalismo marca uma falta de potencialidade de inovação e de reconversão socio-económica e mental que torna praticamente inevitável o declíneo, seja por via da desindustralização, seja por via da competitividade, seja por via das dissidências internas que já aparecem à luz do dia, na sequência das miseráveis políticas de segurança de inspiração xenófoba que nos têm dominado (bem assim como os nossos parceiros do Norte de África) ao arrepio das melhores tradições dos Direitos Humanos, seja ainda por via da guerra de gerações entre aqueles que têm direito a reformas e aqueles outros que não terão esse direito mas são quem paga.

A velha esquerda foi pensada como uma forma humana de pensar o desenvolvimento, quando este estava em curso tendo por motor o capitalismo de primeiras vagas. A esquerda de hoje, com o desenvolvimento às arrecuas e com problemas estruturais que afectam o meio ambiente e as condições sociais de existência, têm condições de propor aos portugueses – e através deles aos europeus, aos brasileiros e a todo o mundo – um modelo de desenvolvimento capaz de lutar pela perservação do meio ambiente através de uma reorganização social e económica intensiva em força de trabalho, capaz de tornar indispensáveis e solidários todos os seres humanos, em nome da igualdade e da liberdade?



Portugal para o mundo
– mar, transparência, direitos humanos e ecologia

O fim de ciclo semi-milenar colonial das Descobertas traduziu-se numa redução da política externa portuguesa ao continente europeu (e à submissão deste aos desígnios desastrosos da política norte-americana que antecipou a decadência da hegemonia ocidental no mundo) quando, pela natureza das coisas, Portugal está vocacionado para políticas marítimas, como é evidente.

A caricatura da vocação marítima portuguesa é o abandono das zonas exclusivas, a litoralização da população e a desertificação política do interior, em favor da especulação imobiliária, dos negócios do crédito e da fuga ao fisco, da manipulação partidária dos impostos e das populações, enfim, das alianças políticas entre grupos privilegiados, organizados oligarquicamente, que transformaram a crise financeira internacional no descrédito da política e – o que é mais grave – da credibilidade das instituições.

A Europa connosco foi um brevíssimo ciclo da vida portuguesa que adiou a tomada de novas decisões geo-estratégicas para orientar os destinos protugueses nos próximos séculos, pago em fundos que alimentaram a organização da corrupção, do caciquismo, do compadrio e finalmente das seitas que tomaram conta do Estado, geralmente por via partidária mas também por via das instituições e das organizações da sociedade civil, enlaçadas entre si em torno de privilégios, evidentes quando se trata de observar os direitos a múltiplas e chorudas pensões de Estado de uns poucos, por acaso aqueles que decidem a redução das pensões singulares da maioria ou pouco fazem para impedir o desemprego e a precariedade no trabalho e na vida dos mais jovens.

As instituições não servem os interesses dos portugueses: isso já é evidente para todos e é inegável. A questão é saber como se sair desta situação, sendo também certo que nela não será possível ficar por muito mais tempo.

Face à disputa entre os dois mais representativos candidatos à próxima eleição presidencial sobre qual deles melhor assegurará a manutenção do actual governo e, ainda que sem ele, as mesmas orientações políticas – por exemplo, debaixo da batuta do PSD e do CDS – resta-nos constatar a insanidade mental e política não apenas dos candidatos mas do próprio sistema político no seu todo. O que não é de admirar, dada a evidência de jamais algum Presidente da República se ter oposto ao disfuncionamento das instituições e aos desrespeito pela Constituição e pela Lei em geral, como seria seu estrito dever e como consta do juramento solene, entretanto não honrado, tornando a política numa mentira, de que o actual primeiro ministro é apenas um símbolo e um bode expiatório. Não que esteja inocente, no sentido técnico, mas porque tenha sido nado e criado neste ambiente de falsidade e de perversidade que hoje todos reconhecemos ser a vida portuguesa.

A campanha presidencial é uma oportunidade para, quem entender assumir as suas responsabilidades cívicas nela participando, abrir caminhos para o novo grande ciclo político que vem aí, mesmo contra a vontade dos mais poderosos. Quem o fizer estará a contribuir para – caso a discussão franca e aberta venha ser a possível e a saibamos, pela nossa parte, organizar – que o novo ciclo não seja mais um desastre histórico para a Pátria, de que temos alguns exemplos na nossa longa história, mas sim um renovar da esperança nas pessoas, na vida e na humanidade.

No fim do mandato do novo Presidente o mundo terá mudado de centros políticos e económicos. Portugal terá que se reposicionar proactivamente e tem boas condições para o fazer. Essa será a única forma de assegurar a reversão de algumas das tendências nefastas que temos vivido, a nível do ordenamento do território, da demografia, da educação e da justiça, nomeadamente, a que nenhum interesse estrangeiro atenderá se não formos nós próprios, os portugueses e quem queira viver em Portugal, a definir metas e traçar estratégias realistas para as atingir. Portugal teria vantagem em eleger um Presidente da República, em vez de mais outro “Presidente de todos os portugueses” que têm sido, na prática, encobridores da corrupção das instituições e cúmplices – ainda que populares – do estado a que isto chegou. Precisamos de um Presidente capaz de cumprir o juramento a que está vinculado, em vez de transfugas da honra, cuja função é fingirem estar despossuídos de poder.

O próximo Presidente, quer queira quer não, será confrontado com um mundo em acelerada mudança e, por isso, deverá deixar claro para que lado preferiria ver Portugal inclinar-se e para que lados não irá deixar Portugal reclinar-se. As intenções de apoio a governos decadentes e dasacreditados como o de Sócrates não apenas são hipócritas como são ensaios de desresponsabilização pessoal na continuidade das políticas corruptas e obscurantistas que nos têm conduzido até aqui. Não precisamos de D. Sebastião: precisamos de um Presidente da República!

Portugal deve discutir urgentemente a sua relação com a China, a nova potência global, à qual as economia e política global, previsivelmente, se conformam e continuarão a conformar por muitos anos adiante. De que modo as nossas relações com a China poderão potenciar a nossa relação com os mares, coisa que a relação com os EUA não favoreceu. Temos a oferecer o respeito que temos pela cultura chinesa e devemos reorganizar o ensino em Portugal em função dessa nova orientação, incluindo uma revisão dos valores portugueses em função das doutrinas dos Direitos Humanos, do Estado de Direito, dos princípios de transparência e de regulação institucional, em parceria com os Chineses, em favor do aprofundamento das relações entre Europeus e o Império do Meio, de que novamente devemos, podemos e temos interesse em ser os percursores.

Tal orientação geral deverá ter em conta as nossas inserções tradicionais no mundo e potenciá-las, seja relativamente à Europa e à América do Norte, seja relativamente aos países lusófonos, seja à Ibéria e países do Sul da Europa ou ainda ao Norte de África.
Nesta perspectiva há que ser arrojado na disponibilização de pessoas e recursos para implementar políticas democráticas benéficas e solidárias, de acordo com as melhores tradições liberais (no bom sentido, como se costuma dizer) e de esquerda ocidentais, na perspectiva da afirmação de modelos de desenvolvimento garantes do bem estar social, coisa que não está a ocorrer com o actual modelo adoptado no ocidente (e, por isso, não se percebe porque se insiste nele, a não ser na perspectiva de manutenção de privilégios de minorias cujos interesses se revelam cada vez mais contraditórios com o interesse público e geral).

Portugal é um país de emigrantes; terá que ter políticas de emigração que favoreçam tal emigração e a organizem em favor da paz e do interesse nacional. Por exemplo, numa altura em que as pensões sofrem graves revezes, os seus beneficiários que estejam em condições de o fazer, poderiam ser estimulados para emigrarem para países onde as suas capacidades possam ser utilizadas – capacidades profissionais e capacidades de consumo através da pensões que têm – e os seus recursos potenciados, tendo em conta a paridade entre as moedas locais e o Euro. Tal movimento jamais se fará sem uma organização Estado a Estado, em função de interesses comuns. Mas como em muitos casos há problemas demográficos inversos (excesso de jovens abandonados de um lado e excesso de pessoas de idade abandonadas do outro), a globalização poderia servir para reequilibrar a situação e Portugal poderia tornar-se rapidamente e novamente um país rejuvenescido, através da imigração organizada em função dos valores da política assim desenhada.

Portugal no mundo – de novo o mar, físico e simbólico

Ecologia – Repovoamento interior (reforma agrária e industrialização); Política fiscal (ordenamento do território e plolíticas de e(i)migração)

Transparência – Economia social de mercado (regulação económica, social e ética); Formação (debate crítico e político das situações concretas; liberdade de palavra)

Direitos Humanos – Estado de Direito (reforma do ensino do Direito; educação fiscal e sobre direitos humanos para regulação ética das instituições)


“Presidente de todos os portugueses”?

Faz já uns anos que a demagogia tomou conta do Palácio de Belém. Adoptando uma versão pós-moderna da união nacional salazarista, os sucessivos Presidentes da República têm aceite desresponsabilizar-se das funções que juraram desempenhar quando empossados a coberto da velha política do “não se discute” o interesse nacional. De outro modo, como seriam presidentes de todos os portugueses?

Como bem sabe o povo, os nossos presidentes – por vezes conhecidos como semi-presidentes, segundo as complicadas teorias políticas em que se formaram – servem para não fazer nada. Os jornalistas interpretam isso como subtis ou mesmo subliminares estratégias para manterem o prestígio nas sondagens e assim assegurarem a reeleição (mesmo quando, nos segundo mandatos, ela é impossível).

Talvez seja bom começar a dizer-se que o acumular de prestígio nas sondagens – singular, para uma instituição democrática – seja qual for o Presidente em exercício, se deve à irresponsabilização organizada pelo sistema político, em geral, e que tem tido por cúmplices os sucessivos Presidentes desta república em tempo de saldos. Talvez seja bom começar a compreender-se como a corrupção das instituições foi possível nas barbas do Presidente sem que este, garante do respeito pela Constituição e pelo regular funcionamento das instituições, tenha mexido palha.

Fartámo-nos de ouvir o PCP gritar que a constituição estava a ser violada. E estava e está, como é evidente. O próprio PCP deixou de reclamar, tendo compreendido por um lado a incapacidade do espírito de legalidade ter algum curso neste país, e por outro lado ficando claro ser o próprio sistema judicial incapaz de, no seu interior, estabelecer critérios mínimos de fiabilidade legal reconhecíveis e compreensíveis para a população. Vivemos um Estado sem Direito, como foi denunciado, sem contradição ou drama, por vários agentes responsáveis, cujas declarações foram sistematicamente ignoradas.

Ocorre que tais declarações correspondem à verdade dos factos e não podem ser ignoradas pelo Presidente da República. Os portugueses não precisam nem votam num amigo. O Estado português (corrupto como está, fora da lei como anda) é que precisa de um Presidente capaz de cumprir um juramento solene, mesmo que os partidos, os tribunais, as assembleias soberanas ou o próprio povo prefiram viver na balbúrdia e na confusão.

Se em Portugal a culpa tem morrido sempre solteira, sem dúvida o exemplo vem de cima. A ternura com os Presidentes da República se insinuam (com sucesso) nossos amigos, com o apoio (e até imposição) de todo o regime putrefacto que temos hoje, tem servido para escamotear a sua irresponsbilidade, como muito bem (ainda que antipaticamente) reclamou um Presidente de uma República aliada (a República Checa), para não dizer a sua traição ao juramento político que livremente aceitaram fazer, após campanhas políticas em que nenhuma clarificação tem sido feita entre a solidariedade nacional e as responsabilidades políticas das instituições.

A alegação política de que o Presidente a República é uma espécie de Rainha de Inglaterra republicana não corresponde a todas as leituras que são admissíveis da Constituição portuguesa. Corresponde aos desejos dos interesses instalados, que preferem negociar como um governo livre de sistemas de regulação ou sequer de crítica, para melhor explorarem o território, as mordomias, os subsídios, as empreitadas, à sombra do que cresceram (e de que maneira) uma diversidade de seitas bem sucedidas, sustentáculo do trabalho extenuante de tornar Portugal o país mais desigual da União Europeia – bem como dos mais pobres.

Os próprios presidentes, naturalmente, a tomar pela descarada acumulação de pensões – mais o que se sabe e não se sabe de negócios esconsos – integram as suas próprias seitas secretas de pessoas influentes, cabendo-lhes, na sua óptica, parecer impolutos e legitimar que os seus amigos, por mais criminosos que sejam, também pareçam impolutos. Não é por todos sabermos disso que o povo goza sempre que algum procurador ou juiz decide atacar um político? Essa é, mesmo, a única atitude popular que um juiz ou procurador pode assumir, de tão degradado que está o seu próprio prestígio.

A funcionalidade do sistema passa por remeter para fora do debate político – nomeadamente para a vida pessoal dos políticos – a atenção dos portugueses e das instituições, como se o mérito fosse medido pelo que cada qual consegue sacar em vez de ser exactamente o reverso. Estamos chegados a um ponto em que quem tente equiparar o saque ao mérito ficará, necessariamente, desacreditado. Eis um tímido sinal de mudança.

Mas a questão central é política: teremos que depender da esperança de um D. Sebastião estrangeiro, vindo da Alemanha ou do FMI, para pôr cobro à roubalheira, ao amigismo, à ignorância, ao medo e à corrupção? Ou caberá ao povo mas sobretudo a quem jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição da República – contra os portugueses que não o fazem e sobretudo contra aqueles que não o querem fazer – dar o corpo ao manifesto?
Contra a irresponsabilidade na Presidência marchar, marchar!
Foto: DR