quarta-feira, 23 de junho de 2010

Três textos de António Pedro Dores

Estratégia de recuo

A situação estratégica portuguesa não aparece favorável, na sua configuração actual. Por isso as atenções de vários quadrantes geralmente divergentes se voltam outra vez para o Brasil, mas agora como potência dirigente a quem possamos servir.

A configuração actual não é boa e não só se espera a qualquer momento as formas através das quais se concretizarão as maiores dificuldades políticas e económicas como não há esperança de melhorias, tanto quanto as previsões possam alcançar.

A desertificação do país é um risco apontado pelos especialistas do clima, da demografia e da crítica. Geografia, populações e mentalidades em uníssono parecem confirmar uma desgraça de grandes dimensões, mesmo sem a crise económica – que é a primeira – e financeira – que é mais reconhecida.

Pode pensar-se como o George W. Bush, que é como quem diz não pensar: dizer que devemos continuar a fazer o que sempre fizémos e ignorar previsões catastróficas por estas serem imorais e desmoralizadoras. Diria que esse é actualmente o pensamento dominante em Portugal, inspirado no bloco central dos interesses locais e também na influência da classe política triunfante que vingou no ocidente como resultado do êxito das políticas conhecidas como neo-liberais. É certo que há quem queira abrandar o investimento do Estado – por exemplo, nas grandes obras públicas – mas não é para fazer diferente daqui para a frente. Querem fazer exactamente o mesmo, mas como se fosse tudo privado, abandonando o público à sua sorte.

Mas pode também pensar-se que o fracasso do capitalismo com regulação mínima (e cumplice) está a pedir mais intervenção pública, mais democracia, aquilo que o Estado não quis proporcionar nas últimas décadas e que cada vez mais mostra não querer nem estar em condições de proporcionar no futuro. A existência de inúmeros programas de regulação em muitas das principais áreas de actividade social e económica mostra que eles só não foram eficazes porque a iniciativa privada se lhes pode opôr subordinando o Estado às suas próprias vontades (irrealistas) tendo-nos feito chegar ao estado em que estamos.

Os Estados ocidentais organizaram a globalização, como forma de ultrapassar os constrangimentos laborais impostos pela regulação social própria dos Estados Providência à arrecadação de lucros. Foram explorar lá fora o que não conseguiam explorar cá dentro. Isso permitiu, uma vez desenvolvido com sucesso o esquema infraestrutural apropriado (de que a rede financeira que permite deslocar instantaneamente o capital e produzir moeda especulativa ad-hoc é uma parte), retornar aos territórios do centro do capitalismo e pressionar os salários até uma equalização global, em nome da competitividade. Na verdade o que ocorre é o esvaziamento não apenas moral mas também económico e financeiro do centro do capitalismo, em vias de ser substituído por novas paragens geográficas, a Oriente e a Sul.

Terá aspectos benéficos, esta redistribuição do poder e da riqueza no mundo. Porém, o modelo de desenvolvimento que estamos a considerar continua a ser o capitalismo puro e duro, medido pelo PIB, com desconsideração quer da pegada ecológica, quer do rendimentos disponível das famílias, quer do desenvolvimento humano. A China, a Índia, a Rússia ou o Brasil competem pela felicidade dos respectivos povos do mesmo modo que os países ainda do centro do capitalismo o fizeram, para agora nos dizerem serem incapazes de manter as promessas de bem-estar e protecção contra os fados tradicionais, fome, doenças, isolamento e maus tratos sociais. Com a agravante de após a experiência industrial estarmos com problemas ecológicos produzidos pela actividade humana desconhecidos anteriormente.

O envelhecimento da população no centro do capitalismo marca uma falta de potencialidade de inovação e de reconversão socio-económica e mental que torna praticamente inevitável o declíneo, seja por via da desindustralização, seja por via da competitividade, seja por via das dissidências internas que já aparecem à luz do dia, na sequência das miseráveis políticas de segurança de inspiração xenófoba que nos têm dominado (bem assim como os nossos parceiros do Norte de África) ao arrepio das melhores tradições dos Direitos Humanos, seja ainda por via da guerra de gerações entre aqueles que têm direito a reformas e aqueles outros que não terão esse direito mas são quem paga.

A velha esquerda foi pensada como uma forma humana de pensar o desenvolvimento, quando este estava em curso tendo por motor o capitalismo de primeiras vagas. A esquerda de hoje, com o desenvolvimento às arrecuas e com problemas estruturais que afectam o meio ambiente e as condições sociais de existência, têm condições de propor aos portugueses – e através deles aos europeus, aos brasileiros e a todo o mundo – um modelo de desenvolvimento capaz de lutar pela perservação do meio ambiente através de uma reorganização social e económica intensiva em força de trabalho, capaz de tornar indispensáveis e solidários todos os seres humanos, em nome da igualdade e da liberdade?



Portugal para o mundo
– mar, transparência, direitos humanos e ecologia

O fim de ciclo semi-milenar colonial das Descobertas traduziu-se numa redução da política externa portuguesa ao continente europeu (e à submissão deste aos desígnios desastrosos da política norte-americana que antecipou a decadência da hegemonia ocidental no mundo) quando, pela natureza das coisas, Portugal está vocacionado para políticas marítimas, como é evidente.

A caricatura da vocação marítima portuguesa é o abandono das zonas exclusivas, a litoralização da população e a desertificação política do interior, em favor da especulação imobiliária, dos negócios do crédito e da fuga ao fisco, da manipulação partidária dos impostos e das populações, enfim, das alianças políticas entre grupos privilegiados, organizados oligarquicamente, que transformaram a crise financeira internacional no descrédito da política e – o que é mais grave – da credibilidade das instituições.

A Europa connosco foi um brevíssimo ciclo da vida portuguesa que adiou a tomada de novas decisões geo-estratégicas para orientar os destinos protugueses nos próximos séculos, pago em fundos que alimentaram a organização da corrupção, do caciquismo, do compadrio e finalmente das seitas que tomaram conta do Estado, geralmente por via partidária mas também por via das instituições e das organizações da sociedade civil, enlaçadas entre si em torno de privilégios, evidentes quando se trata de observar os direitos a múltiplas e chorudas pensões de Estado de uns poucos, por acaso aqueles que decidem a redução das pensões singulares da maioria ou pouco fazem para impedir o desemprego e a precariedade no trabalho e na vida dos mais jovens.

As instituições não servem os interesses dos portugueses: isso já é evidente para todos e é inegável. A questão é saber como se sair desta situação, sendo também certo que nela não será possível ficar por muito mais tempo.

Face à disputa entre os dois mais representativos candidatos à próxima eleição presidencial sobre qual deles melhor assegurará a manutenção do actual governo e, ainda que sem ele, as mesmas orientações políticas – por exemplo, debaixo da batuta do PSD e do CDS – resta-nos constatar a insanidade mental e política não apenas dos candidatos mas do próprio sistema político no seu todo. O que não é de admirar, dada a evidência de jamais algum Presidente da República se ter oposto ao disfuncionamento das instituições e aos desrespeito pela Constituição e pela Lei em geral, como seria seu estrito dever e como consta do juramento solene, entretanto não honrado, tornando a política numa mentira, de que o actual primeiro ministro é apenas um símbolo e um bode expiatório. Não que esteja inocente, no sentido técnico, mas porque tenha sido nado e criado neste ambiente de falsidade e de perversidade que hoje todos reconhecemos ser a vida portuguesa.

A campanha presidencial é uma oportunidade para, quem entender assumir as suas responsabilidades cívicas nela participando, abrir caminhos para o novo grande ciclo político que vem aí, mesmo contra a vontade dos mais poderosos. Quem o fizer estará a contribuir para – caso a discussão franca e aberta venha ser a possível e a saibamos, pela nossa parte, organizar – que o novo ciclo não seja mais um desastre histórico para a Pátria, de que temos alguns exemplos na nossa longa história, mas sim um renovar da esperança nas pessoas, na vida e na humanidade.

No fim do mandato do novo Presidente o mundo terá mudado de centros políticos e económicos. Portugal terá que se reposicionar proactivamente e tem boas condições para o fazer. Essa será a única forma de assegurar a reversão de algumas das tendências nefastas que temos vivido, a nível do ordenamento do território, da demografia, da educação e da justiça, nomeadamente, a que nenhum interesse estrangeiro atenderá se não formos nós próprios, os portugueses e quem queira viver em Portugal, a definir metas e traçar estratégias realistas para as atingir. Portugal teria vantagem em eleger um Presidente da República, em vez de mais outro “Presidente de todos os portugueses” que têm sido, na prática, encobridores da corrupção das instituições e cúmplices – ainda que populares – do estado a que isto chegou. Precisamos de um Presidente capaz de cumprir o juramento a que está vinculado, em vez de transfugas da honra, cuja função é fingirem estar despossuídos de poder.

O próximo Presidente, quer queira quer não, será confrontado com um mundo em acelerada mudança e, por isso, deverá deixar claro para que lado preferiria ver Portugal inclinar-se e para que lados não irá deixar Portugal reclinar-se. As intenções de apoio a governos decadentes e dasacreditados como o de Sócrates não apenas são hipócritas como são ensaios de desresponsabilização pessoal na continuidade das políticas corruptas e obscurantistas que nos têm conduzido até aqui. Não precisamos de D. Sebastião: precisamos de um Presidente da República!

Portugal deve discutir urgentemente a sua relação com a China, a nova potência global, à qual as economia e política global, previsivelmente, se conformam e continuarão a conformar por muitos anos adiante. De que modo as nossas relações com a China poderão potenciar a nossa relação com os mares, coisa que a relação com os EUA não favoreceu. Temos a oferecer o respeito que temos pela cultura chinesa e devemos reorganizar o ensino em Portugal em função dessa nova orientação, incluindo uma revisão dos valores portugueses em função das doutrinas dos Direitos Humanos, do Estado de Direito, dos princípios de transparência e de regulação institucional, em parceria com os Chineses, em favor do aprofundamento das relações entre Europeus e o Império do Meio, de que novamente devemos, podemos e temos interesse em ser os percursores.

Tal orientação geral deverá ter em conta as nossas inserções tradicionais no mundo e potenciá-las, seja relativamente à Europa e à América do Norte, seja relativamente aos países lusófonos, seja à Ibéria e países do Sul da Europa ou ainda ao Norte de África.
Nesta perspectiva há que ser arrojado na disponibilização de pessoas e recursos para implementar políticas democráticas benéficas e solidárias, de acordo com as melhores tradições liberais (no bom sentido, como se costuma dizer) e de esquerda ocidentais, na perspectiva da afirmação de modelos de desenvolvimento garantes do bem estar social, coisa que não está a ocorrer com o actual modelo adoptado no ocidente (e, por isso, não se percebe porque se insiste nele, a não ser na perspectiva de manutenção de privilégios de minorias cujos interesses se revelam cada vez mais contraditórios com o interesse público e geral).

Portugal é um país de emigrantes; terá que ter políticas de emigração que favoreçam tal emigração e a organizem em favor da paz e do interesse nacional. Por exemplo, numa altura em que as pensões sofrem graves revezes, os seus beneficiários que estejam em condições de o fazer, poderiam ser estimulados para emigrarem para países onde as suas capacidades possam ser utilizadas – capacidades profissionais e capacidades de consumo através da pensões que têm – e os seus recursos potenciados, tendo em conta a paridade entre as moedas locais e o Euro. Tal movimento jamais se fará sem uma organização Estado a Estado, em função de interesses comuns. Mas como em muitos casos há problemas demográficos inversos (excesso de jovens abandonados de um lado e excesso de pessoas de idade abandonadas do outro), a globalização poderia servir para reequilibrar a situação e Portugal poderia tornar-se rapidamente e novamente um país rejuvenescido, através da imigração organizada em função dos valores da política assim desenhada.

Portugal no mundo – de novo o mar, físico e simbólico

Ecologia – Repovoamento interior (reforma agrária e industrialização); Política fiscal (ordenamento do território e plolíticas de e(i)migração)

Transparência – Economia social de mercado (regulação económica, social e ética); Formação (debate crítico e político das situações concretas; liberdade de palavra)

Direitos Humanos – Estado de Direito (reforma do ensino do Direito; educação fiscal e sobre direitos humanos para regulação ética das instituições)


“Presidente de todos os portugueses”?

Faz já uns anos que a demagogia tomou conta do Palácio de Belém. Adoptando uma versão pós-moderna da união nacional salazarista, os sucessivos Presidentes da República têm aceite desresponsabilizar-se das funções que juraram desempenhar quando empossados a coberto da velha política do “não se discute” o interesse nacional. De outro modo, como seriam presidentes de todos os portugueses?

Como bem sabe o povo, os nossos presidentes – por vezes conhecidos como semi-presidentes, segundo as complicadas teorias políticas em que se formaram – servem para não fazer nada. Os jornalistas interpretam isso como subtis ou mesmo subliminares estratégias para manterem o prestígio nas sondagens e assim assegurarem a reeleição (mesmo quando, nos segundo mandatos, ela é impossível).

Talvez seja bom começar a dizer-se que o acumular de prestígio nas sondagens – singular, para uma instituição democrática – seja qual for o Presidente em exercício, se deve à irresponsabilização organizada pelo sistema político, em geral, e que tem tido por cúmplices os sucessivos Presidentes desta república em tempo de saldos. Talvez seja bom começar a compreender-se como a corrupção das instituições foi possível nas barbas do Presidente sem que este, garante do respeito pela Constituição e pelo regular funcionamento das instituições, tenha mexido palha.

Fartámo-nos de ouvir o PCP gritar que a constituição estava a ser violada. E estava e está, como é evidente. O próprio PCP deixou de reclamar, tendo compreendido por um lado a incapacidade do espírito de legalidade ter algum curso neste país, e por outro lado ficando claro ser o próprio sistema judicial incapaz de, no seu interior, estabelecer critérios mínimos de fiabilidade legal reconhecíveis e compreensíveis para a população. Vivemos um Estado sem Direito, como foi denunciado, sem contradição ou drama, por vários agentes responsáveis, cujas declarações foram sistematicamente ignoradas.

Ocorre que tais declarações correspondem à verdade dos factos e não podem ser ignoradas pelo Presidente da República. Os portugueses não precisam nem votam num amigo. O Estado português (corrupto como está, fora da lei como anda) é que precisa de um Presidente capaz de cumprir um juramento solene, mesmo que os partidos, os tribunais, as assembleias soberanas ou o próprio povo prefiram viver na balbúrdia e na confusão.

Se em Portugal a culpa tem morrido sempre solteira, sem dúvida o exemplo vem de cima. A ternura com os Presidentes da República se insinuam (com sucesso) nossos amigos, com o apoio (e até imposição) de todo o regime putrefacto que temos hoje, tem servido para escamotear a sua irresponsbilidade, como muito bem (ainda que antipaticamente) reclamou um Presidente de uma República aliada (a República Checa), para não dizer a sua traição ao juramento político que livremente aceitaram fazer, após campanhas políticas em que nenhuma clarificação tem sido feita entre a solidariedade nacional e as responsabilidades políticas das instituições.

A alegação política de que o Presidente a República é uma espécie de Rainha de Inglaterra republicana não corresponde a todas as leituras que são admissíveis da Constituição portuguesa. Corresponde aos desejos dos interesses instalados, que preferem negociar como um governo livre de sistemas de regulação ou sequer de crítica, para melhor explorarem o território, as mordomias, os subsídios, as empreitadas, à sombra do que cresceram (e de que maneira) uma diversidade de seitas bem sucedidas, sustentáculo do trabalho extenuante de tornar Portugal o país mais desigual da União Europeia – bem como dos mais pobres.

Os próprios presidentes, naturalmente, a tomar pela descarada acumulação de pensões – mais o que se sabe e não se sabe de negócios esconsos – integram as suas próprias seitas secretas de pessoas influentes, cabendo-lhes, na sua óptica, parecer impolutos e legitimar que os seus amigos, por mais criminosos que sejam, também pareçam impolutos. Não é por todos sabermos disso que o povo goza sempre que algum procurador ou juiz decide atacar um político? Essa é, mesmo, a única atitude popular que um juiz ou procurador pode assumir, de tão degradado que está o seu próprio prestígio.

A funcionalidade do sistema passa por remeter para fora do debate político – nomeadamente para a vida pessoal dos políticos – a atenção dos portugueses e das instituições, como se o mérito fosse medido pelo que cada qual consegue sacar em vez de ser exactamente o reverso. Estamos chegados a um ponto em que quem tente equiparar o saque ao mérito ficará, necessariamente, desacreditado. Eis um tímido sinal de mudança.

Mas a questão central é política: teremos que depender da esperança de um D. Sebastião estrangeiro, vindo da Alemanha ou do FMI, para pôr cobro à roubalheira, ao amigismo, à ignorância, ao medo e à corrupção? Ou caberá ao povo mas sobretudo a quem jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição da República – contra os portugueses que não o fazem e sobretudo contra aqueles que não o querem fazer – dar o corpo ao manifesto?
Contra a irresponsabilidade na Presidência marchar, marchar!
Foto: DR

Sem comentários:

Enviar um comentário